domingo, 16 de outubro de 2011

[Ano I, No. 11 - 2011] ARTE E MERCADO


Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santísima Trinidad Ruiz y Picasso (espanhol, 1881-1973), Mulher Doida com Gatos, 1901. Siga com a versão de Rehab com The Jolly Boys.


Relâmpago nº 3

Herberto Hélder


De todos os pontos a todos os pontos da trama luminosa, ao fundo da assembleia, sentadamente muda morrendo e ressuscitando segundo a respiração na noite das salas, a mão instruída nas coisas mostra, rodando quintuplamente esperta, a volta do mundo, a passagem de campo a campo, fogo, ar, terra, água, éter (ether), verdade transmutada, forma.

*

POEMA

Marina Tsvetaeva; trad. Haroldo de Campos


Mão esquerda contra a direita.

Tua alma e minha alma - tentes.

Fusão, beatitude que abrasa.

Direita e esquerda - duas asas.

Roda o tufão, o abismo fez-se

Da asa esquerda à asa direita.

*


Cabelo: ‘O mercado de arte é um panelão, restrito a uma elite econômica raramente pensante’

Por Luciano Trigo, in: Máquina de escrever
Capa
Um dos artistas plásticos mais originais de sua geração, Rodrigo Saad, vulgo Cabelo, tem sua obra revista e analisada no livro que leva seu nome, recém-lançado pela editora  Artedardo (134 pgs. R$ 60). Sinal de reconhecimento, mas também de institucionalização: virar livro, de certa forma, é ganhar uma carteira permanente do sistema da arte. Cabelo, contudo, não pensa muito nisso, nem se acanha em criticar as práticas não-democráticas desse sistema, no Brasil e no mundo: “O mercado de arte não é democrático nem aqui nem lá fora, pois é restrito à uma elite, elite econômica mas raramente pensante, que muitas vezes consome arte da mesma maneira que compra artigos de luxo na Daslu”, afirma.
Nascido em 1967 em Cachoeiro de Itapemirim, no espírito Santo, Cabelo mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro. Abandonou na metade a faculdade de Engenharia para criar minhocas, o que muito influenciou seu pensamento. Freqüentou aulas no Parque Lage e, no começo dos anos 90, era mais conhecido como integrante da banda Boato que como artista visual. Recentemente, voltou a se dedicar à música, compondo funks com  a alcunha de MC Fininho. Nesta entrevista, Cabelo conta um pouco de sua trajetória e diz que a matriz de sua obra é a poesia, “que pode se manifestar através de um desenho, poema, escultura, performance ou canção”.
- Ter um livro publicado sobre a sua obra representa uma consagração, mas também, de certa forma, uma institucionalização. Como você lida com isso?
CABELO: Este livro é um registro de vários momentos da minha trajetória, com textos críticos de Paulo Reis, Jacopo Crivelli Visconti e David Barro. Fico satisfeito de ele poder circular e oferecer às pessoas a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre minha obra. Quanto à questão da consagração e institucionalização, sinceramente, não penso a respeito.
- Fale sobre o seu processo de criação: como nasce uma obra? Dê exemplos. Muda quando é desenho e quando é performance? E quando é música?
CABELO: Não trabalho diariamente em ateliê. Meu ateliê é o instante. A obra realiza-se no gerúndio, no aqui e agora, em constante processo de transformação. A matriz da obra é a poesia, que pode se manifestar através de um desenho, poema, escultura, performance ou canção. O corpo do poeta é uma usina, um templo, um campo atravessando campos, e é nesse atravessar que ele experimenta situações de toda ordem (ou desordem), eventos ordinários e extraordinários. Um refrão de uma música pode surgir como eco, reverberação, ou mesmo testemunho de uma experiência, e depois vir a aparecer caligraficamente num desenho, saindo da boca de um personagem. Gosto daquela placa “DESVIO OBRAS”: é no trânsito do meu corpo, no seu ir e vir, que recolho matéria (e imatéria) para trabalhar, e para que se cumpra a realização desse encargo desvios são necessários; é no exercício da liberdade da sua linguagem, de seu ser no mundo, que o artista supera obstáculos, criando artifícios, estratégias, para desafiar e burlar certas leis, inclusive a lei da gravidade.
- Como foi sua infância em Cachoeiro de Itapemirim, que experiências foram marcantes lá? Que relação sua família tinha com a arte? Quando e por quê você se mudou para o Rio?
CABELO: Nasci em Cachoeiro mas quem morava lá era minha avó. Ela tinha uma casa à beira do Rio Itapemirim, onde eu passava longas temporadas. Essa casa foi meu primeiro laboratório, carrego na memória não só seus aposentos como todas as experiências vividas ali: o contato intenso com cães, pássaros, insetos, lagartos, lagartixas de que eu arrancava o rabo só para ver balançando… Recordo-me também do infortúnio das cheias, do cheiro de terra que levantava com a chuva, e dos personagens da rua, como as andarilhas Taruíra e Maria Fumaça, que muito me marcaram. A maioria das pessoas da minha família não tinha qualquer relação com a arte, mas algumas tias pintavam panelas de barro, como tia Salu, que fazia esculturas com miolos de pão e me ensinou a capturar moscas com a mão. Morei em Vitória até os 5 anos e vim para o Rio por causa do trabalho do meu pai.
- Você largou mesmo a faculdade de engenharia para cria minhocas? De que forma essa experiência foi importante?
CABELO: Ao abandonar a faculdade de Engenharia, por total falta de vocação, visitei uma fazenda onde havia uma criação de minhocas. Elas eram colocadas em canteiros e se alimentavam do estrume das vacas. Em 45 dias tranformavam todo aquele estrume em húmus, um excelente adubo orgânico. Fiquei fascinado pelo poder alquímico desses anelídeos (tranformar merda em húmus, como chumbo em ouro) e isso muito influenciou meu pensamento, já que vivemos numa sociedade superprodutora de dejetos, materiais e imateriais .
O mercado de arte é restrito a uma elite, elite econômica mas raramente pensante, que muitas vezes consome arte da mesma maneira que compra artigos de luxo na Daslu.
Boato- O Boato foi criado em 1989. Naquele moimento você queria seguir a carreira de músico ou já imaginava que enveredaria pelas artes plásticas? Quais são as lembranças mais marcantes do Boato?
CABELO: Já nesta época as atividades de músico e artista plástico corriam paralelas. Só depois, com o fim do Boato, as artes plásticas, durante um bom tempo, tomaram uma proporção maior que a música. Do Boato tenho muitas boas lembranças, como shows no Circo Voador, o CEP 20.000, performances espontâneas nas ruas, apresentações em hospitais psiquiátricos e o lançamento do disco “Abracadabra” no Teatro Alaska, com a participação de Rogéria cantando New York, New York.
- Fale sobre a sua relação com o funk. Por que esse gênero, especificamente?
CABELO: O heterônimo Mc Fininho surgiu para dar vazão aos funks que componho e não cabem no repertório do Cabelo. O funk, queira ou não, é uma das manifestações musicais mais potentes surgidas no Rio de Janeiro, como fenômeno estético e social, e tal e qual o samba quando surgiu é perseguido e estigmatizado. A utilização de samples, colagens, paródias, barulhinhos eletrônicos e elementos afro-brasileiros, como o tamborzão, o tornam ainda mais original. Gosto da crueza e do espírito “faça você mesmo” do funk, que muitas vezes estâo presentes também na minha obra plástica. Suas bases sâo suporte tanto para um papo reto, com densidade política e poética, como para climas maliciosos e bem humorados. Só nâo aprovo essas músicas com letras de putaria explícita.
- Como você analisa o mercado de arte contemporânea no Brasil? É democrático ou dominado por panelinhas?
CABELO: O mercado de arte não é democrático nem aqui nem lá fora, pois é restrito a uma elite, elite econômica mas raramente pensante, que muitas vezes consome arte da mesma maneira que compra artigos de luxo na Daslu.Todo mercado é formado por panelas: panela da moda, panela do futebol, panela do agrotóxico, da feira livre, das feiras de arte… O mercado é um panelão cheio de panelas e panelinhas. O que será que tanto cozinham? Ninguém mais come cru?
- Cildo Meireles cunhou a expressão “curadorismo” para criticar o poder excessivo que os curadores ganharam no Brasil. Você concorda? Qual deve ser o papel de um curador?
CABELO: Muitas vezes podemos notar um vínculo e comprometimento excessivos da curadoria com os interesses do mercado, gerando uma certa promiscuidade entre curadores, galerias e instituiçôes; daí esse excessivo poder de que fala o Cildo. Ao mesmo tempo há exercícios de curadoria potentes e originais. O importante é nâo deixar transformar a cura em curra.
- Com que artistas em atividade você mais dialoga? E quais foram as suas principais influências?
CABELO: Tunga, Jarbas Lopes, Artur Barrio, Marcos Chaves, Raul Mourâo, Ernesto Neto, Alexandre Vogler, Guga Ferraz e muitos outros. As influências vâo desde Cildo Meireles, Barrio, Tunga e Joseph Beuys a Heráclito de Éfeso, Jorge de Lima, Paulo Leminski, Sex Pistols, Dead Kennedys, Jorge Ben Jor, Fela Kuti, Garrincha…
Cefalópode
- Uma obra sua ficou famosa pela polêmica, aquela em que peixinhos morrem num aquário em chamas. Como você analisa hoje a reação negativa que aconteceu na Documenta de Kassel em 1997, por exemplo?
CABELO: A reação negativa foi por conta dos ecologistas de plantão. Os peixes corriam risco, mas nem sempre morriam. Perguntei a uma mulher que protestava contra minha obra por quê ela não ia protestar em frente ao restaurante a 100 metros dali que servia peixe nas refeições. Se há peixes para encher a barriga há outros que alimentam o espírito.
*

NA BOCA
Manuel Bandeira, Libertinagem, 1936.

Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval
Paixão
Ciúme
Dor daquilo que não se pode dizer

Felizmente existe o álcool na vida
E nos três dias de carnaval éter de lança-perfume
Quem me dera ser como o rapaz desvairado!
O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas
E gritava pedindo o esguicho de cloretilo:
- Na boca! Na boca!
Umas davam-lhe as costas com repugnância
Outras porém faziam-lhe a vontade.

Ainda existem mulheres bastante puras para fazer
[vontade aos viciados

Dorinha meu amor...

se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe como
[o outro:
- Na boca! Na boca!
*

Qadós
Hilda Hilst

Andei no meio desses loucos, fiz um manto dos retalhos que me deram, alguns livros debaixo do braço e se via alguém mais louco que os outros, mais aflito, abria um dos livros ao acaso, deixava o vento virar as folhas e aguardava. O vento parou: eis o recado para o outro: sê fiel a ti mesmo e um dia serás livre. Prendem-me. Uma série de perguntas: qual é o teu nome? Qadós. Qa o quê? Qadós de quê? Isso já é bem difícil. Digo: sempre fui só Qadós. Profissão: Não tenho não senhor. Só procuro e penso. Procura e pensa o quê? Procuro uma maneira sábia de me pensar. Fora com ele, é louco, não é da nossa alçada, que se afaste da cidade, que não importune os cidadãos.
*

SOB O SOL
Paul Valéry; trad. Augusto de Campos

Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
*

5 comentários:

Aline disse...

suas postagem é cem palavras: tudo de bommmmmm!

TRUK disse...

regresso à rotina
da Beleza. Beijo

Picasso

tão grande o nome quanto o génio

Adriana Godoy disse...

Ninuska, aproveitei que perdi o horário de aula(esse hoirário de verão me mata) e tô atualizando minhas leituras...mas quanta coisa, heim, menina e se qualidade rara! Beleza! Saudades. Beijo

Unknown disse...

Lindo NININHA!

Qadós! Qa do que?

So tu e Bandeira e mais Hilda!

MEU DEUS!

Beijos

Mirze

ANTONIO NAHUD disse...

Hélder, Hilst, Valéry... Uaalll!!! Tudo de bom.

O Falcão Maltês