domingo, 31 de julho de 2011

[Ano I, No. 06 - 2011] TRADUÇÃO

Sand Fence, Lisa Fonssagrives em fotografia de Fernand Fonssagrives, 1930.

[Im-publicable:]
Mar Aledis Estanyol, Ocurrió en los Albores, ed. Mariposas, 1983.

Su coño es una catedral barroca del silencio
y yo soy el lenguaje que hace sagrada y la perra,
el más sagrado de niñas de las flores - de acción,
las hembras más jodida consagrado por la oración.

(Lo confieso, el primer verso se refiere a un poema del
Fernando Pessoa, no recuerdo exactamente cual,
algo, si no recuerdo mal:
"Tu silencio es un barco de velas").
*

[Im-publicável:]
Tradução Nina Rizzi

Tua xoxota é uma catedral de silêncios barrocos
e eu sou a língua que a faz sagrada e puta,
a mais sagrada das raparigas em flor(ação),
a mais puta das fêmeas consagradas pela oração.

(Confesso, o primeiro verso remete a um poema
de Fernando Pessoa; não me lembro exatamente qual,
algo assim, se não me falha a memória:
"Teu silêncio é uma nau de velas pandas").
*

O CORPO DO POEMA
Susana Souto Silva, Humanitates/ UnB

A poesia foi, muitas vezes, pensada como o nosso exercício mais radical com a língua, como a busca das suas máximas potencialidades, como um modo de demorar-se na observação das palavras, olhando-as de vários lugares, movendo-as, virando-as, brincando com elas, jogando com elas; uma forma, ao mesmo tempo, lúdica e lúcida de pensar a linguagem. Diz Augusto de Campos que “poesia é risco”. Para Fernando Pessoa, o “Poeta é um fingidor”; no verso de Bandeira,“o Poema é como a nódoa no brim”; diz Drummond que é um “claro enigma”; para Maiakovski, é “uma viagem ao desconhecido”; para Quintana, são “pássaros que chegam, não se sabe de onde, e pousam no livro que lês”; segundo João Cabral de Melo Neto, o poema é “feito de antilira, escrito em antiverso”. Há muitas formas, principalmente poéticas, de definir a poesia.

Fiquemos com esta: “A poesia é o máximo de tensão entre o som e o sentido”. Essa definição é de Paul Valéry, poeta e crítico francês. O poema, nessa definição, é concebido como algo mais próximo da música do que da escrita. É, principalmente, trabalho com o som. Assim, a poesia (excetuando-se a poesia visual, que se aproxima mais das artes plásticas) exige leitura em voz alta. Torna-se relevante a voz, no contato com o poema; não apenas a leitura silenciosa, em que os nossos olhos se movimentam e que se tornou regra desde a consagração e difusão do livro como principal suporte do texto.

No texto poético, o nosso corpo é convidado a participar, a confundir-se com o corpo do poema. Lemos em voz alta, ouvimos o poema e ouvimos também a nossa voz modificada na leitura do poema. Ao lermos em voz alta, atuamos como um leitor que imprime uma voz – a sua - ao texto e, diante desse texto, descobrimos outras vozes em nós, ouvimos as possibilidades de nos inventarmos outros, de sermos diversos, palavra que tem o mesmo étimo de divertimento, que nos remete, portanto, ao fato de que, ao lermos, divertimo-nos porque somos outros, somos diversos, diferentes do que somos no cotidiano. Na leitura de um texto, podemos pensar/viver como uma mulher do século XIX, um príncipe dinamarquês, um cavaleiro andante...

O som e sua tensão com o sentido fazem do texto poético um texto, em alguma medida, intraduzível. Mas intraduzível aqui não é uma condenação dos que fazem/lêem o que chamamos de tradução. Intraduzível é inseparável. Podemos, então, pensar que, quando um tradutor escreve uma boa tradução não é porque ele recuperou algo "conteudístico" de um poema (até porque falar em forma e conteúdo no caso da lírica é impossível; a partir da definição que estamos examinando, linguagem é forma), é porque ele conseguiu deixar-se surpreender pela forma do poema primeiro/lido, forma esta que o levou a escrever um outro texto também maravilhoso, singular. Vejamos a tradução que Manuel Bandeira fez de um poema de e.e. cummings, poeta norte-americano do século XX:

it may not always be so; and i say
that if your lips, which i have loved, should touch
another’s, and your dear strong fingers clutch
his heart, as mine in time not far away;
if on another’s face your sweet hair lay
in such a silence as i know, or such
great writhing as, uttering overmuch
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be, i say if this should be –
you of my heart, send me a little word;
that i may go unto him, and take his hands,
saying, Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face, and hear one bird
Sing terribly afar in the lost lands.

e.e. cummings

SONETO

Não será sempre assim... Quando não for,
Quando teus lábios forem de outro; quando
No rosto de outro o teu suspiro brando 
Soprar; quando em silêncio ou no maior

Delírio de palavras desvairando,
Ao teu peito o estreitares com fervor;
Quando, um dia, em frieza e desamor 
Tua afeição por mim se for trocando:

Se tal acontecer, fala-me. Irei 
Procurá-lo, dizer-lhe num sorriso:
“Goza a ventura de que já gozei.”

Depois, desviando os olhos de improviso, 
Longe, ah tão longe, um pássaro ouvirei
Cantar no meu perdido paraíso.

Tradução de  Manuel Bandeira

E agora, ficamos com Bandeira ou com cummings? Com os dois. O poema de Bandeira leva-nos a cummings e leva-nos também a pensar sobre a sonoridade da língua portuguesa, sobre a sonoridade da língua inglesa, sobre os desafios de compor imagens similares com línguas diferentes. Tradução é traição, diz o famoso adágio, porque não é possível ser fiel em um diálogo com outro texto. A fidelidade, nesse caso, pressupõe que a língua é um código e, como tal, fechado e acabado, com elementos linearmente correspondentes em outra língua, outro código, o que, depois de sucessivas pesquisas sobre a língua, não é mais sustentável. Como algo bastante complexo, em contínua transformação e contradição, a língua não permite essa mera transposição; ela impõe a recriação, que pode transformar-se em recreação, em jogo, em divertimento, para tradutores e leitores. Aliás, podemos mesmo pensar que todo leitor é um tradutor, na medida em que transpõe, com as operações significativas de mudanças, de deslocamento, de recriação/recreação, o texto lido, que passa, assim, a ser outro texto escrito, rompendo-se as barreiras entre autor e leitor. Todo leitor é também, seguindo o adágio, um traidor, pois, ao construir novas possibilidades de sentido, insurge-se contra a idéia de um sentido primeiro, imposto e controlado pelo autor.

Esse exercício de leitura/reescritura, de deslocamento do texto e também de nós é operado na poesia e nos pede tempo. O tempo de convívio com o poema é outro. A materialidade do corpo do poema pede-nos que mudemos o nosso convívio com a língua, que escutemos as palavras, que as vejamos, que saiamos da miragem de um sentido fixo e de uma palavra transparente, que nos remeteria a algo fora dela mesma.

O poema, enquanto materialidade sonora e visual, é um convite a nos demorarmos ouvindo/vendo as palavras, sem a pretensão de esgotá-las em uma interpretação previsível, acabada. É uma sedução que nos leva à dimensão lúdica, ao jogo que se institui entre som e sentido, entre o sentido e a visualidade da palavra na página em branco, enfim, leva-nos à palavra como materialidade, não como “instrumento”, como, muitas vezes, pensamos no cotidiano. Cruz e Souza, em sua poesia, lembra-nos que as palavras são também música, a menos mimética das artes:

“Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas" [1]

A poesia, pensada como o máximo de tensão entre som e sentido, instaura a urgência da recuperação da voz. O corpo da palavra no poema oferece-nos a possibilidade da música e da dança. Podemos ler em voz alta, várias vezes, o texto poético, até percebermos a sua musicalidade, até construirmos um ritmo que confunde a nossa voz com os sinais que riscam a página em branco. Constituindo-se como som mais do que como letra, o poema transporta-nos para um período em que as palavras eram principalmente faladas/ouvidas, não escritas/lidas, e nos diz que a leitura silenciosa (que exige apenas a visão) não é suficiente para apreender a multiplicidade da palavra poética. Outros sentidos são acionados por esse texto, especialmente a audição. A repetição dos sons, a leitura repetida em voz alta do poema distancia-nos do ordinário, do cotidiano, do tempo da pressa e do pragmatismo e nos lembra que: “(...) no incessante discurso que faz de sim mesma, a sociedade precisa de todas as vozes portadoras de mensagens arrancadas à erosão do utilitário, do canto, tanto quanto da narrativa” (Zumthor, 1997: 56). Saímos do ritmo da urgência, do pragmatismo, e entramos em um tempo lento, no tempo da fruição poética.

Na leitura do poema, o nosso corpo é convidado/convocado pela sedução das palavras a demorar-se em seu convívio, a pensar a palavra em sua ambigüidade, em sua sonoridade, em sua plasticidade. Instaura-se uma relação diferente com a palavra e com o tempo. Mas não como fuga do que chamamos de realidade, e sim como possibilidade de ampliarmos/problematizarmos o que chamamos de realidade:

 “A poesia exercita nossa imaginação e assim nos ensina a reconhecer as diferenças e a descobrir as semelhanças. O universo é um tecido vivo de afinidades e oposições. Prova vivente da fraternidade universal, cada poema é uma lição prática de harmonia e de concórdia, embora seu tema seja a cólera do herói, a solidão da jovem abandonada ou o naufrágio da consciência na água parada do espelho”. (Paz, 1993: 147)

Os formalistas russos, estudiosos do início do século XX, buscaram investigar o que seria o específico literário. Eles não conseguiram definir o que havia em todos os textos ditos literários e só nesses textos, ou seja, eles não conseguiram definir o que era a “literariedade”, mas estabeleceram uma função para arte: a arte deveria provocar em seus receptores, na concepção formalista, a “desautomatização perceptiva”.

As palavras, pensavam os formalistas, estão gastas, como de resto todas as coisas em nosso cotidiano. Elas, as palavras, estão reduzidas, no dia a dia, a uma função, a um uso pragmático, que restringe as suas possibilidades. Caberia, então, ao poeta, ao escritor de literatura, revitalizá-las, dar vida às palavras, recuperar o seu poder de sedução sobre os nossos sentidos, fazendo-as evocar mais do que o trânsito cotidiano de mensagens lhes pede. Como no verso de Bandeira, caberia à arte: "fazer o leitor, satisfeito de si, dar o desespero".

Essa desautomatização passa pela forma do poema. No corpo do poema, entrelaçam-se três níveis que Ezra Pound definiu como melopéia, logopéia e fanopéia. O primeiro evoca a dimensão sonora do poema, os recursos melódicos que o aproximam da música, da dança (rimas, aliterações, assonâncias, repetições, metrificação), marcantes nos poemas especialmente dos simbolistas, como Cruz e Souza, na poesia oral nordestina, entre outros; o segundo, a fanopéia, leva-nos às imagens que são compostas/propostas pelas palavras ou pelo/no corpo da palavra, como acontece com a poesia visual, em que a letra aproxima-se das artes plásticas ou nos poemas de João Cabral de Melo Neto, em que a visualidade ocupa o primeiro plano, pois a sua poesia é uma poesia que pretende "dar a ver", como ele mesmo afirma; o último, a logopéia, remete-nos à construção da idéias, dos sentidos, no texto poético, e aqui, podemos evocar Drummond, Pessoa, António Gedeão, poeta português, e mais uma vez João Cabral de Melo Neto, entre tantos outros poetas preocupados com a dimensão reflexiva da poesia. Esses três níveis intimamente associados, nessa perspectiva, comporiam o corpo do poema. Ler o poema ou escrevê-lo é buscar a indissociabilidade entre eles, segundo Pound. 

Guimarães Rosa - um autor que escreveu poesia em prosa, ou o contrário, se vocês preferirem – disse, em uma entrevista, que ele não era um revolucionário das palavras, e sim um reacionário, que o que ele gostaria era de ser lembrado como um reacionário, pois o que de fato ele queria era recuperar a força original da palavra, quando ela ainda era confundida com a coisa. 

Nessa afirmação do criador de Riobaldo, podemos perceber uma visão mágica das palavras. Mas como fazer literatura - escrevendo ou lendo - sem considerar que as palavras são portas para paisagens inusitadas? Que elas, as palavras, podem nos dar mais do que até então pedimos que elas nos dessem? Como não apostar que elas são pássaros, que elas são pedras, que elas nos dizem do que sentimos, que elas arquitetam o que sonhamos, que elas, às vezes, são mais saborosas do que os sabores que descrevem? Como explicar que elas nos levam às lágrimas, ao medo, à esperança? Não há algo de “mágico” em encontrar, em um poema escrito há vários séculos antes de nossa leitura, aquilo que sentimos hoje? Em sentirmos em nossos corpos a dor das personagens e também a alegria?

O corpo do poema, em que a palavra é exposta como materialidade, constitui-se como um objeto simbólico, resistente a simplificações. O poema é um convite ao risco de sairmos dos lugares fixos, nos quais os sentidos parecem para sempre determinados, como no poema de Gedeão:

Suspensão Coloidal

Penso no ser poeta, e andar disperso
na voz de quem a não tem;
no pouco que há de mim em cada verso,
no muito que há de tudo e de ninguém.
Anda o cego a tocar La Violotera, 
e eu a vê-lo e a cegar;
e a pobre da mulher esfregando e pondo a cera,
e eu a vê-la, e a esfregar
Que riso perto, que aflição distante,
que ínfima débil, breve coisa nada,
iça, ao fundo, esta draga carburante,
rasga, revolve e asfalta a subterrânea estrada?

Postulados e leis e lemas e teoremas,
tudo o que afirma e fura e diz sim,
teorias, doutrinas e sistemas,
tudo se escapa ao autor dos meus poemas.

A ele, e a mim.
*

Pintura de Charles Bukowski. Siga com a fala-bala do Poema, de Charles Bukowski.

cão
Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos; trad. Pedro Gonzaga, L&PM Pocket, 2010.

um cão apenas
caminhando sozinho numa calçada quente em pleno
verão
parece ter mais poder
do que dez mil deuses.

por que isso?
*

PINK DOG
Elizabeth Bishop, New Poems, 1979

[Rio de Janeiro]

The sun is blazing and the sky is blue.
Umbrellas clothe the beach in every hue.
Naked, you trot across the avenue.

Oh, never have I seen a dog so bare!
Naked and pink, without a single hair…
Startled, the passersby draw back and stare.

Of course they’re mortally afraid of rabies.
You are not mad; you have a case of scabies
but look intelligent. Where are your babies?

(A nursing mother, by those hanging teats.)
In what slum have you hidden them, poor bitch,
while you go begging, living by your wits?

Didn’t you know? It’s been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal rivers.

Yes, idiots, paralytics, parasites
go bobbing int the ebbing sewage, nights
out in the suburbs, where there are no lights.

If they do this to anyone who begs,
drugged, drunk, or sober, with or without legs,
what would they do to sick, four-legged dogs?

In the cafés and on the sidewalk corners
the joke is going round that all the beggars
who can afford them now wear life preservers.

In your condition you would not be able
even to float, much less to dog-paddle.
Now look, the practical, the sensible

solution is to wear a fantasía.
Tonight you simply can’t afford to be a-
n eyesore… But no one will ever see a

dog in máscara this time of year.
Ash Wednesday’ll come but Carnival is here.
What sambas can you dance? What will you wear?

They say that Carnival’s degenerating
— radios, Americans, or something,
have ruined it completely. They’re just talking.

Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!

1979
*

Cão-de-rosa
Tradução de Nina Rizzi

[Rio de Janeiro]

O sol é escaldante e o céu azul.
Guarda-chuvas vestem a praia de todos os matizes.
Nua, entre o passo ordinário e a corrida, você cruza a avenida.

Ó, nunca vi um cão tão nu!
Nu, cor-de-rosa, sem um único fio de cabelo cão-de-rosa…
Assustados, os passantes recuam e olham fixamente.

Claro que estão mortalmente com medo de raiva.
Você não está louco; é um caso de sarna
tem o olhar sagaz. Onde estão seus bebês?

(A mãe, feito enfermeira, com as tetas cheias, supensas)
Em que favela você os escondeu, puta pobre, cadela,
enquanto implora, vive de seus olhos e sagacidade?

Você não sabia? Saiu em todos os jornais o que fazem
para resolver esse tipo de problema; como você acha que lidam com os medigos?
Eles os seduzem como a iara e os jogam na maré cheia.

Sim, idiotas, paralíticos, parasitas
todos vão nadando no esgoto que flui nas periferias escuras.

Se fazem isso com quem implora, padece,
bêbedos e drogados e sóbrios, com as pernas tomadas pela gota e a cirrose
o que não fariam por um doente de quatro, cadelas?

Nos cafés, calçadas e esquinas
a piada é arengue com os mendigos
ao invés de dar esmolas, dão coletes salva-vidas.

Mas você, cão-de-rosa, não seria capaz
de remar com suas pernas ou mesmo boiar.
Veja, o prático, a sensível

solução é se mascarar.
Esta noite você não poderá se dar ao luxo de ser essa m-
erda monstruosa. Será única, cão-de-rosa mascarado fora de época.
Vem uma quarta de cinzas, mas aqui todo dia é carnaval, feriado nacional.
Você pode sambar? Como vai se fantasiar?

Todos dizem que o Carnaval é um festejo degenerado
- as rádios, os estadunidenses, essa gentinha
que arruina tudo o que é da gente. Mas é conversa fiada.

O Carnaval é sempre maravilhoso, redenção!

Contudo, um cão depilado, mesmo rosa, não fica bem.
Vá! se fantasie, se mascare e dance o Carnaval!

Fortaleza, 2011.
*

Apesar de gostar bastante da tradução de Pink Dog de Paulo Henriques Britto, considero ser muito mais uma transcriação e, como adoro o poema em sua originalidade, resolvi fazer a tradução que, bem-lida, chega a ser outra transcriação, por mais que se tentasse ser fiel ao original.

Abaixo, a tradução do Britto:

CADELA ROSADA

[Rio de Janeiro]

Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.

Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pêlo, pele tão avermelhada…
Quem a vê até troca de calçada.

Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?

(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?

Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.

E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.

Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?

A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando bóias salva-vidas.

Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito

mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia

pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!

Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos…
Dizem a mesma bobagem todo ano.

O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror…
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô…!

1979
*

E a página de tradução logo acima das postagens ;)

A LEMBRAR: Quem acompanha o Ellenismos há algum tempo, percebe nossa verve de passar a literatura e as artes em revista, projeto esse que a cada dia/ edição toma mais corpo. Estamos passando por reformulações, fazendo contatos com hóspedes e 'hospedeiros' para essa página que se transformará, finalmente e de fato, numa Revista de Literatura, Artes e Debates; aguardem as novidades. Poemas e experimentações em poesia de minha autoria não serão mais publicadas nesse sítio, mas no quandos
*

10 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Sensacional!

O Falcão Maltês

Ana Pérola Veloso disse...

ellenizar é entrar em estado de choque.

poeticjustice disse...

Awsome!!! Love everything!

Such a wonderful expression of talent.

Adriana Riess Karnal disse...

nina, nao sabia desse projeto...vc sempre ousada...muito legal se transformar em revista,eu acompanho tudinho...

Adriana Godoy disse...

Certamente um canal de cultura essa revista. Lógico que sempre estarei por aqui.
Parbéns por sua iniciativa. Vc merece, a gente agradece.

Beijo

Priscila Lopes disse...

Esse blog é uma delícia. Aguardo ansiosamente pela Revista Literária que vem tomando forma.

danilo disse...

nina,
sempre uma boa ler seu blog... essa postagem, com amplas leeituras sobre o que é poesia- concordo com você em citar a da valery- a tensão entre o som e o sentido- a tesão dod tendão da palaavra-que se estica, se retesa,ao towque dos dedos-música de violinos, de rabecas, música da alma-
suas traduções de poemas são fantásticas-
porque você não traduz uns textos contemporâneos de poesia que publicam lá no ubuweb? tem poemas lindos, já tentei, mas não tenho veia tradutora...
grande abraço,
e vida longa aoa ellenismos e claro, ao quandos

Danilo.

Unknown disse...

NININHA!

Vai ser ótimo. Mas enquanto isto vou curtindo aqui na paz


Beijão

Mirze

platero disse...

caminhar
não é só andar
sempre em frente
e em linha reta

sobretudo
quando se tem
corpo de avatar
enxertado
em alma de poeta

com beijão para a meNINA

renata.ferri disse...

Não sou fã da tradução de poesia. Acho que não deveria existir. Quem quiser ler, que aprenda a lingua, ou vá ler mesmo o Manoel Bandeira, que é sensacional. Não confio em interpretações.

obs: adoro esse poema do e.e. cummings

:)