segunda-feira, 13 de agosto de 2012

[Ano II, No. 21 - 2012] "É PRECISO FAZER UM POEMA SOBRE A BAHIA...

... Mas eu nunca fui lá."

[Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia, Edições Pindorama, 1930]

Nina Rizzi, Barcos na Bahia, 1997.

EDITORIAL: VOCÊ JÁ FOI À BAHIA, NÊGA?

Então vem!

“Quando eu tinha seis anos...”, ganhei de presente a primeira coisa que pude escolher: um LP de Dorival Caymmi. Fiquei fascinada com sua “História de Pescadores” e ouvia repetidas vezes numa compulsão infantil. Ah! Como eu queria ver o mar! Como eu queria morar na Bahia!

“Quando eu tinha seis anos...”, pouco depois do LP, visitei a Bahia pela primeira vez. Numa viagem ganhada por mais um trabalho que meu pai faria como mestre de obras. Um presente triplo: desta vez ele nos levaria, voaria de avião e conheceria o mar. O idílio começou quando já estávamos próximos de pousar: a visão da praia de Porto de Seguro e aquele aeroporto tão pequeno, como se fosse a fachada para o oceano imenso que me parecia uma ponte transatlântica a encurtar todas as distâncias de mim.

“Quando eu tinha...” dezesseis anos, morei por alguns meses em Arraial d’Ajuda, e foi o que mais perto consegui chegar da Toscana e dos Santos Lugares: uma horta (ainda que esta fosse à janela), jardineiras, garotas de biquíni, sol, calor, estrada de terra, bicicletas passando nas estradinhas estreitas, alguns livros, uns papéis, um toco de lápis.

“Quando eu tinha...” dezenove anos, conheci uma das figuras mais importantes para minha formação afetiva e intelectual  - me disparava feito uma chispa para as minhas contradições, contrastes e o que eu queria, o que devia fazer e o que de fato vinha a ser. Conheci a fygura, num desvio de rota: iria para a Bahia, mas resolveu fazer uma escala em meu pequeno-mundo.

E “quando eu tinha...”, tantas idades e sonhos diferentes eu voltei à Bahia e a amei. Territorializada ou não.

A presente edição 21/1 – que viva a maioridade! -, tendo como Norte - e Nordeste e toda a rosa dos ventos - a Bahia não podia ser mais que especial, afinal, como diz Sergio Pachá, “é o começo de todos nós, brasileiros”. O 21/1 não é uma brincriação com a língua: pode ser considerada a primeira, já que antes disso éramos um blogue. Um blogue que dialogava com as artes em suas diversas manifestações. O que mudou se continuamos a sonhar com nossa Bahia interna, aquele lugar onde podemos repousar completamente de tudo? Somam-se à minha voz outras mais, ellenistas que se agregam a este espaço porque também acreditam no poder transformador da arte de tornar nossos pequenos-mundos algo mais respirável, vivível, belo, justo e verdadeiro.

E foi com este sentimento, da beleza e da verdade poética que fazemos alguma justiça: devolvemos ao mundo - você leitor - cada palavra, ação, imagem e movimentos tão bem-ditos por gente que também ama a Bahia, que mais que um espaço geográfico, é também um lugar criado nas virtualidades e no sonho, um lugar para simplesmente ser.

As escolhas que fizemos ao ellenizar, não são calcadas em bom gosto ou bom senso, temos, aliás, sérias debilidades em compreender o que vem a ser isto; são escolhas mais afetivas que o quê, ainda que guardem um profundo respeito com alguma tradição e até encontre junto do novo o que já foi devidamente reconhecido e divulgado, mas que agora podemos redescobrir. Assim, começamos pela tradição, com Carybé, Gregório de Matos, Jorge Amado e Dorival Caymmi, culminando com jovens artistas que rompem todas as fronteiras do que é bonitinho, aceito e reconhecido. Uma nova arte que rebenta novos poemas, novas Bahias e novos sonhos.

E nada mais pode ser dito. A melhor palavra sobre a arte é a Arte. No silêncio é que podemos ser honestos. No silêncio da leitura e da re-descoberta.

Boa viagem!

Nina Rizzi
Bahia desterritorializada, agosto de 2012.

Hector Julio Páride Bernabó ou Carybé (argentino naturalizado baiano, 1911-1997), Mulata Grande, 1980. Óleo sobre tela de 61 x 45 cm.Clique na imagem pra seguir com as saudades de Caymmi... E AQUI pra baixar Caramuru, de José de Santa Rita Durão, épico sobre a invencionice da Bahia.
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A BAHIA...


 ... é mar é sertão. Raso, profundo, largo. Prato que se respira. Bahia é a entidade, que paira sobre as águas, inunda. Bahia é Lucas da Feira, escravo fugitivo, mestre das emboscadas. Bahia é canto de sereia em dia de mar. Trovão que rebrilha na Serra de São de José, no bode Uauá. Bahia é vaqueiro encourado, caatinga do coração, chão e desterro. Bahia é a ponte que cruza destinos, entroncamento de todas emoções. Bahia é festa e pranto, Bahia é o manto tricolor, é o Flu de Feira, o Touro do Sertão. Bahia é o engasgo da língua, o encosta, o encosto. O ralar das coxas quentes, a praça Castro Alves que é o do povo, como o céu é a amplidão. Bahia é axé, oxente, gente. Bahia é o arco-íris de uma multidão. [Assis Freitas, árvore da poesia]


E S C U S A

Manuel Bandeira, Belo Belo (1948), in: Estrela da Vida Inteira, José Olympio, 1965.
[ouça a leitura de Juca de Oliveira para este poema aqui!]



Eurico Alves, poeta baiano,

Salpicado de orvalho, leite cru e tenro cocô de cabrito,

Sinto muito, mas não posso ir a Feira de Sant’Ana.



Sou poeta da cidade.

Meus pulmões viraram máquinas inumanas e

---------------------[aprenderam a respirar o gás

---------------------[carbônico das salas de cinema.

Como o pão que o diabo amassou.

Bebo leite de lata.
Falo com A., que é ladrão.
Aperto a mão de B., que é assassino.
Há anos que não vejo romper o sol, que não lavo os
-----------------------[olhos nas cores das madrugadas.

Eurico Alves, poeta baiano,
Não sou mais digno de respirar o ar puro dos currais
-----------------------------------------------------[da roça.

ELEGIA PARA MANUEL BANDEIRA
Eurico Alves, Fidalgos e Vaqueiros.  Ed. UFBA, 1953

Estou tão longe da terra e tão perto do céu,
quando venho subir esta serra tão alta...

Serra de José das Itapororocas,
afogada no céu, quando a noite se despe
e crucificada no sol se o dia gargalha.
Estou no recanto da terra onde as mãos de mil virgens
tecem o céu de corolas para meu acalanto.
Perdi completamente a melancolia da cidade
e não tenho tristeza nos olhos
e espalho vibrações da minha força na paisagem.

Os bois escavam o chão para sentir o aroma da terra,
e é como se arranhassem um seio verde, moreno.

Manuel Bandeira, a subida da serra é um plágio da
------ ---------- ------------- ----------- ---------[vida.
Poeta, me dê esta mão tão magra acostumada a bater
------------- ----- --------- --------- ---------[nas teclas
da desumanizada máquina fria
e venha ver a vida da paisagem
onde o sol faz cócegas nos pulmões que passam
e enche a alma de gritos da madrugada.
Não desprezo os montes escalvados
tal o meu romântico homônimo de Guerra Junqueiro.
Bebo leite aromático do candeial em flor
e sorvo a volúpia da manhã na cavalgada.
Visto os couros do vaqueiro
e na corrida do cavalo sinto o chão pequeno para a
--------------------------------------------- [galopada.

Aqui come-se carne cheia de sangue, cheirando a sol.

Que poeta nada! Sou vaqueiro.
Manuel Bandeira, todo tabaréu traz a manhã nascendo nos olhos
e sabe de um grito atemorizar o sol.

Feira de Santana! Alegria!

Alegria nas estradas, que são convites para a vida na
----------------------------------------------[vaquejada,
alegria nos currais de cheiro sadio,
alegria masculina nas vaquejadas, que levam para a
---------------------------------------------------- [vida
e arrastam também para a morte!

Alegria de ser bruto e ter terra nas mãos selvagens!
 Que lindo poema cor de mel esta alvorada!
 A manhã veio deitar-se sobre o sempre verde.
 Manuel Bandeira, dê um pulo a Feira de Santana
e venha comer pirão com carne assada de volta do
------------------------------------------------ [curral
e venha sentir o perfume de eternidade que há nestas
------------------------------------------- [casas de fazenda,
nestes solares que os séculos escondem nos cabelos
------------------------------------ [desnatrados das noites
eternas venha ver como o céu aqui é céu de verdade
e o tabaréu como até se parece com Nosso Senhor.


Edson da Luz, Símbolo de Liberdade, 1967. Xilogravura, 95 x 60 cm. Clique na imagem pra seguir com um delicioso trecho de Macunaíma (Brasil, 1969), de Joaquim Pedro de Andrade, baseado na obra de Mário de Andrade.

Descrevo que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia
Gregório de Matos, o Boca do Inferno (baiano, 1636-1695)

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

A INVASÃO DO MORRO DO MATO GATO OU OS AMIGOS DO POVO
Jorge Amado, Os pastores da noite, 1964

Não os dividiremos em vilões e heróis, quem somos nós, suspeitos vagabundos de rampa do Mercado, para decidir sôbre assuntos tão transcendentais? A discussão está nas gazetas, governistas e oposicionistas acusam-se, xingam-se, elogiam-se, cada um quer tirar maior proveito da invasão das terras do Mato Gato, além de Amaralina, por detrás da Pituba. Pelo visto houve desde o início, e até mesmo antes de dar-se a invasão, uma completa e total solidariedade para com os invasores, ninguém se colocou contra êles, e alguns, como o deputado ramos da Cunha, da oposição, e o jornalista Galub correram perigos sérios para defendê-los.

[...] Exagerou Cuíca quando, no comprido título de seu folheto, falou de um bairro construído pelo povo em 48 horas. Demorou exatamente uma semana para ter aspecto de bairro aquela invasão, a primeira levada a efeito na Bahia. Hoje o Mata Gato é um verdadeiro bairro e lá já se levanta até fachada decorada de uma das Padarias Madrid, da rêde de Pepe Oitocentas, bem em frente à casa do negro Massu. Outras invasões realizaram-se depois com sucesso, cresceraram bairros inteiros para o lado da Liberdade, no Nordeste de Amaralina, houve a invasão de Chimbo no Rio Vermelho, e os Alagados com sua cidade sôbre as águas. Os pobres têm de viver, têm de morar em algum lugar, ninguém pode permanecer todo o tempo ao relento, precisa-se de um teto e quem tem dinheiro para pagar aluguel?

Mesmo nós, noctívagos sem jeito, precisamos de quando em quando repousar a cabeça, ir para casa. Viver sem casa é impossível, e o próprioo Pé-de-Vento, homem sem horário e sem emprêgo fixo, caçando sapos e ratos, suas serpentes, calangos verdes e outros bichos para os laboratórios de análises e pesquisas, habituado ao vento e à chuva, amando dormir nas areias da praia e ali derrubar mulatas pois é doido opor elas, mesmo Pé-de-Vento, cuja natureza se adapta a tudo, igual a seus animais, sentiu necessidade de ter um buraco onde meter-se. Foi êle o precursor da invasão, por assim dizer.

Naqueles terrenos do Mata Gato êle construiu com palhas de coqueiros dali mesmo, com pedaços de ripas, tábuas de caixão e outros materiais gratuitos, uma espécie de choupana onde vivia. [...]

Atravessava o negro Massu uma crise séria naquela ocasião. O dono do barraco onde se alojava há anos, em companhia de sua avó centenária e se de seu filho novinho, cansara-se finalmente de cobrar o aluguel, o atraso de Massu ia a quatro anos e sete meses, o tempo exato em que ali morava. Não pagara jamais um tostão. Não porque fôsse natural de caloteiro. Ao contrário [...]

Mas ùltimamente uma companhia comprara terreno e barraco, o açougueiro vendera relativamente barato porque não via possibilidade de renda, nem de Massu mudar-se tão cedo.

A companhia ia construir uma fábrica, comprara um mundo de terra, estava derrubando casas e barracos, dava um prazo curto, um mês para caírem fora [...] Negro Massu compreendeu não ter outro jeito senão procurar casa nova.

E ali, refestelado na areia, comendo peixe excelente, perguntou a Pé-de-Vento:

- De quem é êsse terreno por aqui?

Pé-de-Vento considerou a questão, pensativo:

- Sei não... Tem dono não...
- Tu já viu terra não ter dono? Tudo tem dono no mundo...
- Penso que é do govêrno...
- Bem, se é do governo é da gente...
- E é mesmo?
- Pois tu não sabe que o govêrno é o povo?
- Tu acredita que é? O govêrno é da polícia, isso sim...
- Tu não entende. Eu sei, já ouvi dizer até num comício. Tu não freqüenta comício, é por isso que não sabe...
- Pra que saber? Que adianta?

Negro Massu deixava o azeite escorrer pelos cantos da bôca, peixada mais gostosa! Lugar melhor para morar não havia.

- Tu sabe, Pé-de-Vento, vou ser teu vizinho... Vou levantar aqui um barraco pra mim. Pra botar a velhinha e o menino...

Pé-de-Vento fêz um gesto largo com a mão:

- Lugar é que não falta, seu mano. Nem fôlha de coqueiro...

Foi assim que alguns dias depois negro Massu voltou em companhia de Martim, de Ipicilone, de Cravo na Lapela, de Jesuíno Galo Doido. Numa carroça trazia certos materiais, um serrote, martelo e pregos. Pé-de-vento colaborava, oferecendo nova peixada. [...]

Massu mudou-se, Tibéria veio visitá-lo para ver o afilhado, ela e Jesus ficaram apaixonados pela paisagem.

Em tantos anos de árduo trabalho, ela a governar o castelo, êle a cortar e a coser batinas de padre, não haviam conseguido juntar o suficiente para comprar uma casa onde envelhecerem. Por que não a levantariam ali, pouco a pouco, comprando tijolo e cal, uns metros de pedra, uma telhas para cobrir?

Com essas duas casas, a de Massu, de barro batido e tábuas, a de Tibéria de Jesus, de tijolo, iniciou-se a invasão.

Como a notícia chegou a tanta gente, não se sabe. Mas uma semana depois de haver Jesus começado sua casa, já cêrca de trinta barracos elevavam-se no Mata Gato numa extraordinária variedade de materiais e numa profusão de crianças de tôdas as côres e idades. E a cada dia chegavam novas carroças trazendo gente e tábuas, caixões, latas, fôlhas velhas de flandres, tudo quanto servisse para construir [...]

Assim começou a invasão do Mata Gato.

Jorge Amado e José Saramago. Acervo Zélia Gattai, Fundação Casa Jorge Amado.


NO SOVACO DO ZÉ (ou Amado amado pelas lentes e rejeitado pelos velhos suecos de óculos)
 Por Fernando Monteiro

    Depois de Machado de Assis, é Jorge Amado o autor brasileiro cuja obra foi quantitativamente mais buscada para adaptações para o cinema e a TV, com resultados desiguais e, em geral, abaixo do que o Amado quis deixar em 23 romances escritos por paixão pela Bahia em particular. Nelas, o que avulta é uma determinada humanidade de paisagens baianas até a medula da África trazida para os pelourinhos brasileiros, as senzalas cantadas por Gilberto Freyre como se fossem de prazer derretido entre peles oleosamente negras e brancos senhores azedos de membros prontos para promover a miscigenação à cacete. Com olhos ternos, Amado pegou negros, desvalidos e, digamos, perdedores para assumirem um protagonismo que, até então, era da Casa Grande, socialmente.

        Pelas lentes das câmeras, passaram do bem-sucedido (de bilheteria) Dona Flor e seus Dois Maridos ao Tenda dos Milagres de Nelson Pereira do Santos, e também foram adaptados A morte e a morte de Quincas Berro D'Água, o clichê Gabriela, os menos conhecidos Jubiabá (no qual o “herói” é o primeiro negro personagem principal num romance brasileiro) e Pastores da Noite até o Tieta do Agreste novelizado com a “inspiração” de um filme publicitário de pasta de dentes brancos da bela gente mulata. Muita coisa foi à tela – ou o ar – pelas mãos, eventualmente inábeis, de roteiristas levados a produzir espuma, muita espuma baiana, de areias, sensuais coxas morenas e ventos (soteropolitanos ou não) soprando para longe dos melhores resultados do talento...

          Quem é profissional da adaptação, quem se vê a braços com a tarefa de transpor a literatura de Jorge para o cinema ou para as facilidades dos esquemas da televisão mergulhada em merchandising, pode cometer o erro de pensar que é uma tarefa fácil levar para a telona ou para a telinha um escritor epidérmico como Amado. 

          E esse “epidérmico” desencadeia o fio que tecerá este ellênico texto sobre o homenageado, neste ano, pelo centenário de nascimento (10/08/1912), como palavra que vem, sempre, em torno do eixo generoso da amadiana obra horizontalmente estendida sobre uma paisagem humana – antes de geográfica – que dificilmente um escritor poderia ao mesmo tempo levantar e verticalizar (ou profundizar, digamos assim, com o sabor espanholesco desse verbo mais apropriado).

          Torna-se necessário, agora, abrir duas, três, dez espreguiçadeiras em frente do terraço generoso da Nina Rizzi, a fim de contar uma história real, não-inventada, e que se passa entre os frios da temperatura de Estocolmo misturados com as geleiras de valoração eurocêntrica de uns quantos homens sentados, na Academia sueca, em torno da decisão sobre o autor a ser galardoado com o Nobel de 1998. Ia ser a hora e a vez da língua portuguesa e o escolhido, até a penúltima reunião dos velhinhos nada suados (sempre faz frio na capital da Suécia de Bergman) era Jorge Leal Amado de Faria, itabunense do país baiano situado no continental Brasil.

          O que foi, então, que aconteceu, homem?, que o prêmio de 1998 foi parar nas mãos do romancista português mediano (e apenas mediano) José Saramago?...
        
         A RESPOSTA É A ESSÊNCIA DESTAS MAL-TRAÇADAS LINHAS

         O que aconteceu nos longes da Escandinávia foi o seguinte: primeiro, conforme já foi dito, chegara a “vez”, afinal, do idioma português.

         Dizem as más línguas que os acadêmicos suecos teriam retardado, ao máximo, o momento de homenagear a língua de Camões, aquela coisa bem diversa do espanhol de Jacinto Benavente (que eles logo premiaram, ainda nos inícios da hoje mais importante láurea literário do mundo, assim como depois ainda se voltariam para premiar o grande poeta Vicente Aleixandre e também o controverso romancista Camilo José Cela). O português, espalhado pelo mundo, ainda não havia tido poeta ou romancista tirado do ostracismo do ambiente linguístico de uma daquelas ramagens neo-latinas mais distantes do centro econômico e político da Europa, idioma meio ilhado no fundo da península, “pátria” sufocada desde o ponto de vista da tímida pessoa de Pessoa, e com alguns suicidas de gênio como Mário de Sá-Carneiro, o autor de A Confissão de Lúcio (agora frequentemente confundido com As Confissões de Lúcio, de 2006)...

          Sem mais digressões, continuemos com a história:

          Era, aquela, afinal a vez da língua do Eça (que esperou ganhar um dos primeiros prêmios Nobel), e os votos já estavam certos, quase todos, para o escritor brasileiro bem traduzido no planeta – pois é esse um pré-requisito ou, ao menos, um dado de extrema importância para os critérios daquela premiação outorgada por um fabricante de explosivos disposto a se redimir aos olhos da comunidade internacional.

           Não explicitado em nenhum lugar (pois não existe nada parecido com um interno  “Regulamento do Nobel de Literatura”), sempre houve o consenso, entre os acadêmicos suecos, de que um escritor pouco traduzido, ou traduzido apenas para idiomas não-“centrais”, tem chance próxima de zero de ser distinguido com o vultoso prêmio vindo dos explosivos. Necessariamente, traduções diversas precisam ter trazido o escolhido para o centro do que eles chamam de “alta cultura” – vista do ponto de vista europeu, é claro –, um dos fundamentais passaportes para o premiado viajar do não-zero para o frio da Escandinávia, e lá receber, das mãos do rei sueco, um diploma que vem junto com mais de um milhão de dólares, sem falar dos milhões e milhões de exemplares vendidos, a partir do momento em que o anúncio do seu nome faz com que sejam, de imediato, reeditadas as suas obras agora cintadas com aquela tira de papel chamativa: “PRÊMIO NOBEL!” (porque talvez não os espertos editores não possam desperdiçar tempo com refazer as artes das capas antigas, ao correrem para vender os livros do nome elevado ao Olimpo das Letras)...

            É isso o que acontece com cada premiado – e o que teria naturalmente sucedido com o nosso escritor-construtor daquele universo particular, na literatura: o das gentes e das paisagens de Ilhéus, Salvador e outros mundos paralelos da Bahia.           

            Porém o Jorge foi “sucedido”, no Nobel, pelo fradesco ambiente conventual do Memorial e outros romances assinados por um autor luso de nascimento e relativamente jovem, então, se comparado com o Amado cotado para levar o prêmio de 1998. Motivo:

um dos acadêmicos nórdicos levantou, no último momento, uma “questão de ordem”. Ele disse o seguinte, mais ou menos em resumo: “Sim, Jorge Amado havia construído um mundo particular e colorido, o brasileiro tinha levantado do chão baiano-tupiniquim uma humanidade local de outro modo relegada ao esquecimento e, talvez, até à não-existência, no fundo do túnel das coisas que passam, tudo bem, okay, porém ele havia feito isso usando, de segunda mão, um idioma que era europeu na origem... e, por isso, aquela primeira vez que em que a língua portuguesa iria ser contemplada, ora!, deveria corresponder à obra também de um europeu de Portugal, o minúsculo país que havia ‘descoberto’ e colonizado o gigante sul-americano” etc.

            Muitos dos acadêmicos se entreolharam, por trás de óculos naquela hora inúteis contra as miopias literárias. Era verdade. O brasileiro recebera o seu idioma das caravelas saídas de Lisboa, para fugir da pequenez do mundo lusitano. E foi assim que a maioria, ali, veio a dar razão ao colega da tal “questão de ordem”, sendo oficialmente rifado o nosso Jorge Amado daquela vez inaugural dos prêmios (haverá outros?) para escritores praticantes do idioma de Camões – e se tornando necessário, então, ir pinçar, às pressas, algum escritor portuga para substituir o cravo e a canelice do autor de Gabriela.

               Deu no que deu: essa discreta canalhice acadêmica levou o Nobel para as mãos do magro José, saramágico das horas vagas das ilhas compradas para nenhum comunismo retardatário. Pronto, está contada aqui a história como ela se passou, veridicamente, nos bastidores do prêmio que o Amado apenas cheirou, antes do diploma ir sumir no sovaco do Zé...    
*

Dorival Caymmi e Jorge Amado, 1979. Arcevo Zélia Gattai, Fundação Casa Jorge Amado.

CARTA DE DORIVAL CAYMMI A JORGE AMADO
Em exposição Jorge Amado e Universal (até 14 de outubro, 2012) no Museu de Arte Moderna da Bahia. 

“Jorge meu irmão, são 11h30 e terminei de compor uma linda canção pra Yemanjá. O reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus pra Janaína, nem eu sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não há, que foi que fiz de bom pra merecê-la? Ela te manda um beijo, outro pra Zélia, morro de saudade. Quando vierem, tragam pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de 15 e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, juro. Quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta. Tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava fortuna. O que falta é tempo pra pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas por aí. O tempo que tenho mal chega pra viver: ver dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?

Quero dizer uma coisa que já disse há mais de 20 anos, quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono? Pois ontem, perto das quatro da tarde, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia do tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom fdp é o que ele é, o nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Fizeram um edifício medonho em cima dela e puseram nos jornais: venha ser vizinho de Caymmi. Fiquei retado e vendi, comprei apartamento na Pituba, vizinho das línguas viperinas. Mas hoje, antes de mudar, fiz essa canção pra Yemanjá que fala em peixe e vento, saveiro, mestre do saveiro e mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, e todas, como sabes, são a minha Stela com quem me casei te tendo de padrinho. Bênção, padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, beijo pra Zélia, não esqueça de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi.”

BAHIA DE TODOS OS BARROCOS
Por Clewton Nascimento

Barroquismo 1– Descendo uma das ladeiras do Pelô e avistando, ao fundo, a Igreja do Rosário dos Pretos, através de sua torre. Em 2003.
 Barroquismo 2– Novamente, a torre da Igreja do Rosário dos Pretos, no Largo do Pelourinho. A torre “anuncia” a presença do espaço religioso. Em 2003.

(Re) visitar,(Re) haver, (re) viver, (re)significar cidades, é algo intrínseco à vida de arquiteto e, para um arquiteto-professor (de História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo), essas ações atingem níveis mais particulares, mais específicos que a atividade como formador requer. Desejo falar sobre a Bahia, neste momento, a partir desta(s) ótica(s).

Vivi Salvador intensamente, durante o período de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado). Nos três anos em que fixei moradia na cidade, pude percorrer alguns espaços urbanos e rurais do vasto território baiano, que foram devidamente registrados, através de desenhos, que são verdadeiramente as minhas principais caixas de diálogo com o mundo (além de arquiteto-professor, como alguns amigos costumam falar, também sou um viajante-desenhador).

Convido, portanto, a todos a visitarem a Bahia, através de alguns desses desenhos. Chamo atenção para o caráter barroco destes espaços, que ora evidenciam a integração entre edifício e entorno, levando em consideração a condição de que o edifício religioso é tratado como foco, como elemento a ser evidenciado na paisagem.

No Largo da Igreja de São Francisco, por exemplo, o espaço contíguo à igreja, demarcado pelo Cruzeiro, objetiva a ampliação do espaço sagrado, a articulação entre o espaço sagrado e o espaço profano, reforçando a dimensão da teatralidade, com a construção de um cenário que evidencia esta apreensão.

No caso do conjunto franciscano de Santo Antônio do Paraguaçu, a relação de articulação incorpora o rio como um dos protagonistas da paisagem. Nesse aspecto, o espaço religioso busca “incorporar” o rio, verdadeiro elemento propiciador da condição de existência do pequeno aglomerado urbano que se formou, a partir do desenvolvimento da cultura canavieira na região.
Barroquismo 3– Largo e Igreja de São Francisco, Salvador / BA.




Barroquismo 4– Convento Franciscano de Santo Antônio do Paraguaçu / BA.

Outro aspecto apresentado pelas construções barrocas, é o conhecido  “efeito surpresa”, que pode ser observado ao percorrermos a tanto a cidade de salvador, quanto em cidades como Cachoeira e São Félix, cidades vizinhas e irmãs, filhas do Paraguaçu, no Recôncavo baiano. Em minhas andanças por esses espaços, pude captar um pouco desta dramaticidade, obtida através de registros de edifícios – notadamente os religiosos – que seduzem o olhar, num jogo de imagens, em que aparecem, desaparecem e (re) aparecem na paisagem, de acordo com a orientação do olhar do observador / espectador.



Barroquismo 5 – Igreja do Deus Menino, em São Félix / BA. A fachada principal do edifício anuncia ao rio, a presença marcante do sagrado na cidade.



Barroquismo 6 – Igreja e Convento do Carmo, em Cachoeira / BA. A uniformidade das casas situadas no entorno do edifício religioso, reforçam a presença do espaço sagrado como “vedete” da cena urbana.

Barroquismo 7 – Igreja e Convento do Carmo, em Cachoeira / BA. Imponência do conjunto, em relação ao conjunto urbano.

Concluo esse percurso, chamando a atenção para um aspecto de fundamental importância: como professor de História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo, considero que a história só faz sentido para a formação do arquiteto, se for parte operativa de nosso presente. Neste sentido, entendo que esse espaços, ao serem (re)visitados, devem possibilitar transformações, apropriações, (re) significações diversas. A cada percurso, a cada (re)visita, uma (re)criação. Notadamente, nos espaços aqui tratados, impregnados com o caráter Barroco.
*



DOIS POEMAS DE SERGIO PACHÁ

GUIA TELEFÔNICO DA CIDADE DO SALVADOR

Praça dos Mares
Avenida das Naus
Mercado do Ouro
Porto dos Mastros
Rua Portugal

Travessa do Rosário
Guindaste dos Padres
Largo da Graça
Praça dos Quinze Mistérios
Rua da Oração

Ladeira da Montanha
Ladeira do Pelourinho
Rua do Mijo
Pau Miúdo
Buraquinho

Ladeira do Inferno
Rua do Paraíso
Avenida Vai-Quem-Quer
Ladeira do Quebra-Bunda
Rua do Tira-Chapéu

Praça do Campo Santo
Rua das Almas
Cruz do Pascoal
Largo da Soledade
Porto do Bonfim

Rua Padre Vieira
Rua Gregório de Matos
Praça Castro Alves
Praça Carneiro Ribeiro
Rua Rui Barbosa

Praça Dois de Julho
Rua da Independência
Estrada da Liberdade
Avenida Estados Unidos
Rua da Paciência

Campo da Pólvora
Rua da Faísca
Largo da Vitória
Rua dos Carvões
Rua da Glória

Rua da Preguiça
Rua da Alegria
Rua do Céu Alto
Rua das Flores
Rua Bahia

OROPA, FRANÇA E BAHIA

Quero escrever um poema
lhe tratando de você.
meus pronomes lusitanos
temperei-os com dendê.


Dendê ou dengo? Bahia
tão lá dentro de você
como a lua nas funduras
sombrias do Abaeté.

Como de chuva mansinha
encharquei-me de você.
Quero escrever um poema
para dizer quanto lhe

amo, pronominalmente
inclusive, já se vê:
Oropa, França e Bahia
encontrei-as em você.
*

MALUNGOS E VAPORES
Por Charles Ribeiro

Fotografia sem título de Mariana Castro.

essa noite nunca existiu

aqueles olhos atravessavam a fumaça do cigarro de mão em mão ali. Eram olhos claros demais para a noite, e estavam perdidos. ou não. perscrutavam poemas na pele do que sucedia, trafegavam por entre os lençóis da memória para entender a tudo. eram obscenos. sorriam para você diretamente. poderia dizer que Dioniso dançava naquele meio, visto que não passava de um ritual estar ali, papel e caneta ao alcance, e a noite para o que viesse. poemas eram mapa, nós nesse barco ébrio atravessando o instante. sendo atravessados.

És calmo, corrente e ponte.
Eu atravesso, tu me atravessas.

(poema III em ‘O homem e o rio’ – Flauta e delírio, Ed. UESB
Charles Ribeiro, que depois começa a assinar ‘querino’)

Uma outra realidade é possível, foi o que se tornou perceptível até por demais a partir daqueles encontros mais ou menos entre 2010 e 2011. Estávamos em vitória da conquista – BA, e começamos a freqüentar a praça da pedra, com leituras e conversas sobre o que quer que seja. Essa praça é um resumo da cidade, ou é possível ter uma vista geral: num mesmo lugar tinha uma igreja, um hospital, uma funerária, um bar, um putero, quiosques, loucos passando etc etc. Era coisa de minerador estar ali, abrindo essa brecha. Mas talvez não tivéssemos plena consciência disso: estávamos ali porque nos foi natural: queríamos um canto para continuar com certas leituras - eu tinha traduzido o ensaio ‘Projective verse’, de Charles Olson, e começava a ler Michael McClure, mas juntos começamos por ler a Rimbaud e depois outros malditos e esquecidos: houve um pouco de Blake, um pouco de Artaud, algo de Breton e surrealistas, Kerouac mais que outros beats (Ferlinghetti e só depois Ginsberg, daí o que encontrávamos); Herberto Helder; Cláudio Willer e Roberto Piva; John Fante; e cada nome levava a outro e então acabamos por ler muito mais do que esses citados, mas em escala menor. Dentre nós, alguns tinham bastante interesse por cinema, outros por fotografia, outros por pintura. Tudo passava por ali, de maneira que é quase impossível listar o que atravessava aquela praça e conversas antes e depois, visto que cada qual tinha suas referências muito bem definidas. O que líamos e compartilhávamos ali era uma espécie de lugar comum a todos, e quase que aleatório, uma questão de disponibilidade.

A princípio, estávamos na praça Edgard Neto, Giovane Brito e eu, querino. Iara Barberena já andava por ali. Micael também. Luis Mathias voltava pra cidade. Caio Resende, que conheci através de uma amiga em comum, achava ser o único interessado em poesia por essas bandas. Convidei a Pablo Luz, a quem conheci poucos anos antes, através de vários acasos (quando começou a tocar numa banda, Voyant o nome, para a qual escrevi umas letras e músicas; quando já ouvíamos falar a respeito um do outro através de pessoas próximas). Ian C.lima era colega de graduação. Campo Santo Leituga já era bastante conhecido na cidade, sendo expulso diversas vezes de tantos lugares por declamar uns poemas. Caroline Coelho e Babi estavam sempre de passagem, e outros tantos sempre presentes, claro (havia sempre o mais variado tipo de gente por perto, ora observando ora participando). Tanto Morgana quanto Giselli Moreira aparecem mais em idas à Lagoa das Bateias e durante as leituras que fazíamos em um teatro de arena próximo à praça, quando descobrimos que todos, alguns mais outros menos, ou pelo menos esses citados, escreviam ou fotografavam já com alguma seriedade no trato. Frank Morais, também colega de graduação, freqüentava com mais afinco a casa de Platini, e em viagens ao Chapadão. Diego Oliveira vai se achegando nesse período entre lagoa e teatro, e sua música só vai crescendo em influência sobre tudo.

pois a inocência só é bela
               quando não há nada para além do
                                       momento,
  quando os corpos povoados de Presença
                reinventam a própria pele na orgia; 
                    outra maneira de sentir,
                uma outra maneira do sentir:

(na praça da pedra, arespeinto do candeeirocafe – tertúlia, candeeirocafe editorial: http://goo.gl/kFPmg
caio Resende, frank morais, querino)
 

Ao comentar sobre os processos criativos que envolvem, de alguma maneira, as pessoas que compõem o que hoje se torna conhecido como candeeirocafe (e esse é apenas um termo genérico, visto que nunca houve a intenção de montar um coletivo ou qualquer coisa relacionada, sendo o nome apenas por conta de um blog em que compartilhamos esses nossos escritos de luz e grafite), talvez seja necessário comentar algo sobre ‘escrita automática’ ou sobre ‘composition by field’ ou sobre ‘fluxo de energia’ ou, quem sabe, sobre a coisa de não se comprometer com a chatice de certos padrões que tanto a academia quanto a crítica impõe ao ato criativo insistindo sempre numa bíblia de cotovelo. Talvez seja necessário, talvez e apenas por uma questão de referência, visto que a coisa tornou-se bastante natural, sem pensar antes nessas questões, senão apenas em querer chegar; mas onde?

 Lembro a primeira vez em que o fato se deu, de escrevermos juntos. Estávamos alguns na casa de Platini, vendo fotos de uma viagem recente ao chapadão, até que a noite se estende, e algumas pessoas estavam indo embora, e ficávamos uns poucos por ali, ouvindo música ou fumando um cigarro, ou porque não havia muito mais o que fazer. Era já costume essa liberdade naquela casa. Era ponto de encontro, de passagem. Tinha uma mesa de sinuca no meio da sala!, e sempre um conhaque ou alguém pra fazer um café ou, enfim. Havia ainda cama ou colchão por demais. Sem problemas ficar mais um pouco. Sei que tocava um Bob Dylan, e em meu canto eu rascunhava algo. Pablo Luz também escrevia algo. Ian C.lima caminhava e fazia uns movimentos de satisfação enquanto escrevia. O dono da casa talvez estivesse namorando em algum lugar. Havia mais pessoas por ali, mas à meia-luz quem tem certeza. Sussurros eram ouvidos por todo lado. Sobre quantos cafés desperdiçamos foi escrito dessa maneira, quando alguém teve curiosidade em saber o que o outro tanto escrevia e, ao fim, eram aqueles rascunhos uma mesma história. Beirava o arrebol quando deixamos sobre a mesa de sinuca, também, os manuscritos de exercício #1 e (chegando a ser dia). Três poemas completamente diferentes um do outro, tanto em argumento quanto na estrutura, e escritos por pessoas de personalidade igualmente distintas, e sem mais nem menos, no tempo de umas poucas horas. Sabíamos que algo tinha acontecido, ficou aquela sensação de traquinagem ou descoberta. Amanhecemos num restaurante qualquer por perto tentando entender a situação. Em alguns dias, faríamos uma leitura num teatro de arena próximo à praça da pedra.

n’Arena, eis como nomeávamos entre nós essas leituras que começamos a fazer com certa frequência. Não seria a primeira. Poucos meses antes, sim, fizemos uns convites, foram algumas pessoas, mas nem todos ficaram até o final: lembro ter visto a maioria sair enquanto alguém lia uns anúncios de puta que Giovanne Brito tinha recolhido numa viagem recente a São Paulo. Uns dois dias antes, aquilo tinha sido declamado em frente a uma igreja, enquanto o pastor lá dentro gritava Aleluia. Cheguei depois do ocorrido, mas é impossível passar em frente a uma igreja e não imaginar aquelas vozes de Edgard Neto ou Campo Santo Leituga ou não sei quem mais estava presente declamando: “Tammy japa mestiça”, o pastor respondendo: “Aleluia”, então segue: “23ª rainha do anal”, “Aleluia, pai!”, “especialidade: anal giratório”, “glória a deus!!!”, “e ainda beija na boca”, “amém, igreja?”. Sim, ao final, ficaram poucos nessa leitura, e fomos todos ao Viela, um bar bastante freqüentado ainda. La notte (http://goo.gl/V0WFc) foi escrito na manhã seguinte, e é escrita automática ou, melhor dizendo, jorro. Encontrei Ian C.lima na lagoa semanas depois, tinha escrito Leve (http://goo.gl/RzaN4), também no jorro; e Caio Resende aparece mais ou menos durante o mesmo período com Dora Moon (http://goo.gl/P7XzE), cujo primeiro impulso foi através de escrita automática até que, enfim, um jorro.

Recebo uma carta de Ian C.lima pouco depois dessa primeira leitura após o ocorrido na casa de Platini. A carta é enviada também a Pablo Luz e trata sobre o que pode ser entendido como uma teoria das presenças. Segue trecho:

(...)
dentro das impressões que a noite de hoje me deixou, te digo que eu posso ter descoberto algo que talvez seja o verdadeiro prazer da minha vida: (...)

percebi que as presenças trazem com elas uma carga intensa e que algumas delas se tornam especiais por me transmitirem algo que não consigo decifrar. não pense apenas em prazer: é um alento, um ânimo à vida, um alimento à vida. hoje pude perceber o quão isso pode ser voluptuoso; forte mesmo, ativo. (...) esse estado é o em que me acho mais conectado ao sentido da vida. (...) a valorização disso é a manutenção desse estado que provocará em muitos a sensação de quietude e internalização. (...)

agora a escrita não é senão um meio.
(...)

(a carta na íntegra: http://goo.gl/7myOh)

“agora a escrita não é senão um meio”: não tem como ser mais claro. A brincadeira, se é que alguma vez a coisa foi encarada dessa maneira, tornava-se perigosa demais, séria o bastante para voltarmos. Pelo menos naquele momento. Blanchot, em ‘a parte do fogo’, cita Breton:

"Mais uma vez, tudo o que sabemos é que somos dotados, até certo grau, da palavra e que, por ela, algo de grande e obscuro tende a se expressar imperiosamente através de nós... É uma ordem que recebemos definitivamente e que nunca tivemos tempo de discutir... Escrever, quero dizer escrever dificilmente, e não para seduzir, e não no sentido comum, para viver, e sim pelo menos para se bastar moralmente, e por não poder ficar surdo a um apelo singular e infatigável, escrever assim não é brincar nem enganar, que eu saiba."

(Reflexões sobre Surrealismo, em A Parte do fogo – Ed. Rocco)

Penso ainda em um ensaio em que Cortázar diz:

Escrevo por incapacidade, por descolocação; e como escrevo num interstício, estou sempre propondo que outros procurem os seus e por eles olhem o jardim onde as árvores têm frutos que são, naturalmente, pedras preciosas.

(do sentimento de não estar totalmente, em A volta ao dia em 80 mundos – Ed. Civilização Brasileira)

ou  quando, por repetidas vezes, ele afirma que literatura (as artes, em geral) é um jogo bastante perigoso, o mais sério de todos. Bolaño também diz:

¿Entonces qué es una escritura de calidad? Pues lo que siempre ha sido: saber meter la cabeza en lo oscuro, saber saltar al vacío, saber que la literatura básicamente es un oficio peligroso. Correr por el borde del precipicio: a un lado el abismo sin fondo y al otro lado las caras que uno quiere, las sonrientes caras que uno quiere, y los libros, y los amigos, y la comida. Y aceptar esa evidencia aunque a veces nos pese más que la losa que cubre los restos de todos los escritores muertos. La literatura, como diría una folclórica andaluza, es un peligro.

(disponível na internet, em: http://goo.gl/Vs8vb)

Esse salto no vazio não é sem conseqüências, é coisa de corpo. Houve dissensões com o tempo. Tudo bem, nunca se pretendeu construir um programa ou manifesto a partir dessas movimentações. A tal carta ainda diz:

estou pensando em como vai ser daqui pra frente, embora não queira pensar, porque apenas é. o que preciso de fora pra dentro é esse ser, e quem fizer parte disso não precisa estar ciente ou talvez seja necessário que não esteja.

De qualquer maneira, é possível tirar uma poética disso, esse ser: apenas ser. “As coisas não se justificam, apenas são”, é o que diz outro poema. Agnosia? Não sei por que a palavra salta agora, não sei o que isso diz. Observo, tateio: sinto, conheço; e ainda não sei o que isso diz, o lugar por onde caminho nesse instante, o que está ao alcance do jeito que for, que salta junto à palavra no momento da escrita, ou não importa que material seja, mas que se coloca ali, sabe se colocar, por necessidade ou – não, a palavra é bem essa: necessidade. É conhecer através de não-conhecer. Michael McClure chega a afirmar que poesia é o produto da carne tocando a experiência. A escrita não é senão um meio. Vai ver, é por aí que a coisa se dá, e talvez esses escritos de luz e grafite do pessoal que atravessa a coisa do candeeirocafe sejam entendidos, em toda a sua plenitude, se considerado essa conversa.

E não há qualquer transcendência em tudo isso.
(continua)
*

Caricatura de Affonso Manta, por Paulo Setúbal.


BAUDELAIRE DO SERTÃO DA RESSACA
 Matheus Pazos, publicado originalmente em Germina Revista de Literatura e Arte

Um dia desses, deu vontade de reler a poesia de Affonso Manta. No próximo ano, já se completa dez anos sem o poeta. Mas qual a real importância disso (sobretudo para aqueles que passaram, até aqui, a vida sem conhecer esse homem)? Você, certamente, poderia viver tranquilamente lendo e valorizando os clássicos da literatura (aqueles que ninguém fala mal com medo de soar ignorante) ou descobrindo novos tesouros perdidos nos sebos (se é que alguém ainda se perde por essas paragens). Assim, poderia o calejado leitor dizer-me, em tom de desaforo, que nunca ouviu falar em Affonso Manta: não falemos mais nisso e toquemos nossas vidas espirituais com fontes seguras e canonicamente reconhecidas.  

Para acalmar os ânimos, alerto que não sou crítico literário e que este texto não emitirá nenhum juízo sobre a opera omnia deste ilustre desconhecido. Na verdade, a vontade de reler a poesia deste homem resgata em mim experiências da distante infância no interior baiano. Lembro-me que Manta gostava de ficar na praça central e, ali, conversava com seus amigos, fumava seus cigarros e gerava certo estranhamento ao meu olhar de criança. Eu tinha um medo tremendo daquele ser (na verdade, não sabia o que deveria temer mais: o poeta ou o velho monsenhor que, naquele tempo, também gastava suas horas na praça – um pouco mais acima do banco de Manta, porque é necessário separar o profano do sagrado).

Entretanto, mesmo com certo medo (ou timidez), jamais concordava com o julgamento rasteiro que imputavam ao velho poeta. Soava errado aos meus ouvidos adjetivar aquele homem como o estranho da cidade. Dava sempre a impressão de que as pessoas classificavam, pejorativamente, aquele homem como o mais excêntrico dos excêntricos para evitar que o mero fato dele existir e dizer, em versos, a que veio, incomodasse a tão almejada, limpinha mesmo, ordem social. É claro que naquele tempo eu não ligava para a moral, bons costumes, organização social etc. Era apenas um menino que se sentia incomodado com um senhor que teimava em gastar seus dias a observar os transeuntes e escrever livretos (nem preciso dizer quão “calorosa” era a recepção destes poemas pelos habitantes daquele sinal fulgurante de civilização).

E o que fez o menino covarde diante disso tudo? O que era de se esperar: nada. Cresci, vivi em outros lugares e, só mais tarde, venci o medo e li os versos do homem estranho da praça central. Ao ler, entendi o estranhamento. Compreendi a estratégia daquele senhor. Descobri que Manta não era a parte destoante e desnecessária da cidadela. A partir das leituras e releituras de seus versos, pude constatar que aquele temor pueril foi a benéfica oportunidade para ganhar um presente. Manta era, in persona, a Poesia. E com isso, ele me proporcionou a melhor das lições possíveis. Quase dez anos se passaram, ele se foi, mas ainda fica, ao reler sua poesia, a vontade de atravessar a praça central, apertar-lhe a mão e dizer: eu vi, eu sei, obrigado.

AFFONSO MANTA: ALGUNS POEMAS¹
[org. José Inácio Vieira de Melo, Cavaleiro de Fogo]

A poesia de Affonso Manta constrói-se em cima da 
ironia e da farsa, numa crítica mordaz e fina, 
montada como um quebra-cabeça, em flashes do 
cotidiano, a denunciar o provincianismo e a ditadura. 

- Simone Lopes Pontes Tavares 

Um dos poetas líricos mais importantes de hoje. Sua 
poesia é o que há de melhor e vale mais do que muita 
obra completa que anda por aí exposta nas livrarias. 

- Ruy Espinheira Filho 

Lá vai Affonso Manta 

Com estrelas na testa de rapaz,
Com uma sede enorme na garganta,
Lá vai, lá vai, lá vai Affonso Manta
Pela rua lilás.

Coroa de alumínio sobre o crânio,
Lapelas enfeitadas de gerânios
E flechas no carcaz.

Manto florido de madapolão,
Bengala marchetada de latão,
Desfila o marechal,

O rei da extravagância, o sem maldade,
O campeão da originalidade,
O peregrino astral.

Pêndulo 

Para Iêda Machado 

Conduza meu carneiro cor de vinho 
Para pastar os lírios brancos do ar. 
Guarde meu coração devagarinho 
Na cômoda da sala de jantar. 

Tire do gaiolim meu passarinho. 
Ele gosta do sol e de voar. 
Ponha no armário verde, com carinho, 
A roupa que eu vesti para brincar. 

Seja um anjo, meu anjo, de bondade. 
Não zombe do meu passo hesitante. 
Não moteje da minha enfermidade. 

Eu sou algo indeciso, eu vacilo, 
Eu cambaleio sem razão bastante 
E, lento como um pêndulo, eu oscilo. 

O Louco 

Para Altamirando Camacam

Enlouqueci, um girassol nasceu na minha boca.
Os pássaros já estão fazendo ninho
Atrás da minha orelha.
Enlouqueci, o azul explodiu em fevereiro.
Vou conhecer Londres no meu bergantim de pirata.
As ruas são-me passarela para bailar.
Não me conheceis, transeuntes?
Não me conheceis, moça de olhos calmos
Do último andar do edifício?
Sou o Louco.
Prometi as chuvas do mês passado.
Prometi as árvores.
Prometi os vinhos.
Prometi este intenso azul de fevereiro.
Faço promessas maravilhosas.
E vede que se cumprem.
Abram as portas.
Chamem vossos filhos.
Chamem vossas noivas.
Os garotos vão rir de mim.
Por acaso, não quereis que as vossas noivas se divirtam?
Não há quem não ache graça
Do meu aspecto excessivo de profeta.
Convidem todo mundo.
Trago uma flor no bolso de dentro do paletó


Para ofertar ao sorriso mais inocente da cidade.
Não tenham medo.
Não faço mal a ninguém.
Sou o Louco.

(Esperando o título) 

Fazer da brisa um traje sem medida 
E do arco-íris fazer um tobogã. 
Amar as mínimas coisas da vida. 
E ter no olhar as luzes do amanhã. 

Anjo de Fogo 

E como um ser de forte claridade,
Anjo de fogo do celeste empíreo,
Eu sentia nas asas do delírio
A dimensão da grande liberdade.

Passava nos lugares rotineiros
Colhendo todo mundo em meu abraço,
Confundindo noções de tempo e espaço,
Embaralhando fatos verdadeiros.

Ia nos quatro pontos cardeais.
Andava sobre a linha do equador.
Via o céu de manhã mudar de cor.
Percorria os espaços siderais.

Ia mais longe do que qualquer nave.
Voava mais depressa do que a luz.
Entendia as palavras de Jesus
Como uma criancinha entende uma ave.

Achincalhava todas as mentiras.
Todos os fariseus desmascarava.
Os ídolos do hipócrita quebrava.
A roupa do impostor deixava em tiras.

E como um ser de etérea realeza,
Adornado de estrelas e de luas,
Saía a percorrer todas as ruas
À procura da forma da beleza.

E encerrava meu curso luminoso
Num lugar pelos homens habitado,
Onde era pelos guardas algemado
E preso como um louco furioso.

Criação 

Crie canários belgas na varanda 
Onde os meninos brincam de ciranda. 

Crie esses bois de chifres de açucenas 
Que pairam no céu das manhãs serenas. 

Crie cavalos da Andaluzia 
Num sítio de cristal e fantasia. 

Crie raiz no amor de uma mulher. 
E espere calmamente o que vier. 

A Poesia

Para Ruy Espinheira Filho

A poesia tem os olhos inocentes.
Inocentes de saberem tudo.

A poesia nos envolve
Como o silêncio do tempo que passa.

A poesia é um pássaro branco
Voando na velocidade da luz.

A poesia embriaga como o vinho.
E nos mantém vivos como o ar.

A poesia é um rio imenso,
Um rio que deságua no infinito.

A poesia é um mar profundo.
Profundo como o mistério da vida.

O Realejo de Vinho 

Para Solon Barreto 

Para quem me queira ouvir: 
Sou um homem aos frangalhos. 
Parte por culpa de tudo. 
Parte por culpa de nada. 

E digo mais ao casual 
Ouvinte deste relato: 
Não sendo herdeiro nem rico, 
Não tenho crédito na praça. 

Amo as japonas escuras, 
De mangas e tudo vasto. 
E os colarinhos puídos 
Uso desabotoados. 

Ao pôr a minha gravata, 
Fabrico um laço bem largo. 
E acho triste andar com ela. 
E, mais tristes, as gravatas. 

Eu nunca faço questão 
Que uma roupa seja cara. 
Mas, ampla: e, sendo possível, 
Com certo ar desesperado. 


Eu prefiro, aos bons charutos, 
Um velho e forte cigarro. 
E odeio fumar cachimbo. 
Pois sou muito angustiado. 

No mais: um vento me agita, 
Interior e largado, 
E me devasta os cabelos, 
Rosto, sorriso e palavra. 

O Rei Affonso 

Para Fred Souza Castro

Aqui, o rei Affonso, o Derradeiro,
Vê naus que não são mais as naus do porto.
São já as naus febris do sonho morto
No mar tão vasto como traiçoeiro.

Aqui, o mesmo rei, também chamado
Restaurador do Império Agonizante
Perde para o inimigo, doravante,
O reino duramente conquistado.

O rei, flor-de-lis santa e vulnerável,
Ferido pela dor inevitável,
Perdoa a punhalada do assassino.

E morre sem palavra de desgosto,
Mostrando paz até o fim no rosto,
A mesma paz dos tempos de menino...

De Cambulhada 

Já cansei de ser sempre o bom pedestre 
E trancar meu soluço na gaveta. 
Já cansei do papel e da caneta. 
Já cansei desta música terrestre. 

Já cansei de levar e dar porrada. 
Já cansei de bater na face avessa. 
Eu trago uma luz dentro da cabeça. 
Não vou virar bagaço nem cocada. 

Vou sair por aí de cambulhada. 
Até que alguma coisa resplandeça. 

Besteira 

Eu sempre faço uma besteira enorme:
Fico desperto enquanto o mundo dorme.
E eu hoje fiz outra besteira imensa:
Não pensei nada do que o vulgo pensa.

Jibóia 

Com desvelos de cobra e com mil troços, 
Fizeste do meu ser um caixão de ossos. 
Se um dia eu for mordido pelos cães, 
Dirás, para constar, palavras vãs. 

E, quando eu não dormir ou ficar mudo, 
Descobrirás um mau sentido em tudo. 
São coisas que eu espero lentamente, 
Como quem bebe um copo de aguardente. 

Inventarás que o rei era a rainha, 
Que não existe dor igual à minha 
E que tudo que eu toco se transforma. 

E mais: que estou cansado de estudar, 
Que devo tomar sol, banhos de mar 
E romper o silêncio de outra forma. 

Relâmpagos 

Para Garbogini Quaglia

Lembrar-me do que fui nunca me cansa.
Cansa-me andar no centro do Destino.
Eu sou feliz porque já sou menino.
Menino não precisa de esperança.

Eu revirei a vida pelo avesso.
Eu encontrei o fio da meada.
Eu dei no mundo muita cabeçada.
Eu sei onde é o fim e onde o começo.

Que me dera estar santo de uma vez.
E enlouquecer de luzes de repente.
Mas conservando toda a lucidez.

Viver sem o limite, em plena graça,
Na paz de uma razão incandescente
Capaz de dar relâmpagos na praça.

A Camponesa 

Você, que veio cedo de Goiás. 
Você, que eu vi na loja de calçados. 
Você, que não gostava de soldados. 
Você, que me inspirava madrigais. 

Você, a camponesa dos gerais 
De voz cortante e de olhos aguçados. 
Você, a mulher cheia de cuidados. 
A musa que agitou a minha paz. 

Você, que, em suma, foi para o estrangeiro 
E ninguém sabe como. Sem mais nada. 
Sem adeus, sem bilhete, sem dinheiro. 

Às vezes eu me lembro de você. 
Me lembro e choro. Choro e dou risada. 
Sinto um sol e sinto um não sei quê. 

Opus nº 7 

Soneto ao poeta Adelmo Oliveira

Embora eu sofra muito neste duro
E trágico planeta sublunar;
Embora eu me debata contra o muro
De uma angústia constante, regular,

Eu creio na bandeira do futuro.
Eu creio numa guerra popular.
Eu creio no horizonte largo, puro,
Do povo no poder a governar.

Pois a tristeza que meu peito invade
Não me impede de amar a liberdade.
Amo-a, ao invés, com maior devoção.

A liberdade que é meu arrebol,
“Esposa do porvir, noiva do sol”
Como disse Castro Alves, com razão.

O Pai 

Era em seu rosto curvo desenhada 
A figura do Pai. 
Morto faz muitos anos. 
Criava pássaros na varanda 
E meninos no quarto de dormir. 

O Pai deixou muitas cartas na gaveta 
E silêncio 
No quarto de dormir. 

O Pai de mãos ingênuas, 
Feito de porcelana. 
Olhar tão simples atrás dos óculos. 
Parecia usar cartola de mágico. 

O Pai acordava cedo 
Como todo pássaro. 

Às vezes interrompia o silêncio 
Com risadas inexplicáveis. 

O Campo de Centeio 

(Poema de mãos dadas com Sylvia)

Se eu morasse no inverno,
Descobriria não sei quantas situações
De branco.
E todo aquele que me lesse

– Jardim de asfódelos –
Nunca buscaria dicionários.
Não: este verso can-sa-do.
Car-dí-a-co.
Basta,se eu morresse no inverno.

Que beleza: na undécima.
Que coisa sensorial: na undécima.
Não na quarta.
Não na sexta.
Na undécima.
Que prazer carnal na duodécima.
Que furor na centésima.
Que cavalo bíblico arreganhado.
Basta,na undécima.

Se eu morasse no inverno,
Descobriria a situação undécima:
O campo de centeio do deserto.

Não Desejo Morrer... 

Não desejo morrer enquanto houver 
No céu estrelas brancas cintilando; 
Na manhã clara um pássaro cantando; 
Na cama um corpo airoso de mulher. 

Não desejo morrer hora nenhuma 
E sobretudo no instante presente. 
Eu desejo ficar para semente, 
Carpindo minhas dores uma a uma.

¹ O presente texto, organizado e produzido por José Inácio Vieira de Melo para a antologia Sete Cantares de Amigo, sofreu algumas pequenas modificações para a presente finalidade.
*

A ARTE DE RUA FIRME E FORTE DA BAHIA
Por Roberta Fernandes

Graffiti de Ananda Nahu em estação de trem de Salvador/ BA, 2007.

Pelas ruas coloridas da Bahia se espalham intervenções artísticas de todos os tipos. A música nos bares, os artistas de rua. Nos seus muros, desenhos tão bem elaborados que conquistam pela delicadeza e tão bem trabalhados que chamam para a realidade social que retratam fazem de Ananda Nahú e Izolag (carioca-baiano), hoje, uma das duplas mais importantes da arte de rua brasileira. Trabalhando juntos desde 2005, quando criaram a Firme Forte Records, ambos distanciam seus estilos e mesclam seus talentos numa única obra sem desperceber a responsabilidade que carregam sempre que decidem interferir em uma área pública. “Tem que existir um compromisso do artista em ser responsável pelo o que pinta, pois o artista urbano é um ditador, ele impõe sua arte na rua para todos verem, como a industria da propaganda na socieade. Não acho justo se o pintor, quando se dispõe a interferir no espaço público, fizer uma pintura de qualquer jeito, com temas sem propósito e compromisso, pois o resultado daquela ação vai ser obrigatoriamente visto por muitas pessoas”, diz Ananda com quem conversei sobre essa Bahia de todas as cores.

** Qual é a história de cada um de vocês antes de se conhecerem?

Ananda - A gente se conheceu no curso de Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da UFBA em 2004. Na época, eu estava pesquisando sobre posters e cartazes e estudando técnicas de gravura como litogravura, serigrafia e gravura em metal, e o Izolag estava envolvido com a rua, pixações, graffitis, colagens e bombs. Em 2005 resolvemos unir nossas experiências para formar a Firme Forte Records, nossa gravadora de imagem e som, onde desenvolvemos juntos nosso potencial criativo, produzimos e direcionamos artisticamente músicos, bandas, fotógrafos e inclusive outros pintores.

** Como foi o processo de começar a produzir juntos  e como os estilos de vocês dialogam hoje?

Ananda - A partir o momento em que decidimos que o caminho da pintura seria a nossa estrada, voltamos nossas vidas inteiramente para esse propósito. Dedicamos todo nosso tempo a desenvolver nossas carreiras individuais e como Firme Forte. Nossa convivência é muito intensa e desde o início começamos a nos separar no que diz respeito a estilos e o aspecto; o que um usa o outro nao pode usar, no que diz respeito a cores, personagens e composição. Essa atitude permitiu que nossos estilos ficassem bem distintos de forma que quando pintamos juntos é facil perceber a individualidade de cada um.

** O que é a Firme e Forte Records? Como é o processo de criar uma arte multimídia?

Ananda - Por termos afinidades na Arte, Cultura e na Vida, em 2005 eu e Izolag começamos a pintar juntos, ambos trabalhando com stencil, produzindo diversas pinturas na Bahia, Pernambuco e no Rio de Janeiro. Daí surge a Firme e Forte Records, uma gravadora de imagem que tem como principal referência a música.

Na Firme e Forte Records estendemos os limites das midias, transformando as batidas sonoras em arte grafica multicolorida, atuando com cartazes, pintura, graffiti e fotografia, fazendo uma harmônica uniao da imagem com o som.

Somos diretamente influenciado pela Cultura Brasileira, nosso repertório não integra a antiquada e ditatorial Arte Acadêmica, mas sim a pura e pública arte impregnada nas capas de discos de diversos países, cartazes, indo desde os revolucionários e psicodélicos até os dias atuais, filmes, desenhos animados, o mundo do skate, quadrinhos etc.  Nós trabalhamos para tornar pública e mais evidente a cultura alternativa e as tradições brasileiras.

** É possível caracterizar a arte de rua baiana? Vocês veem um ponto comum entre os artistas locais que os diferencie daqueles de outras cidades?

Ananda - Arte de rua baiana ainda está em processo de desenvolvimento e seus pintores decobrindo as possibilidades que a rua pode oferecer. Em Salvador o acesso a materiais de pintura e cultura de qualidade não é fácil, e ser artista lá requer muita força de vontade, se não houver resistência às adversidades e persistência para continuar, o proximo passo é abaixar a cabeça e dançar conforme o comando.

** A presença de retratos é constante na obra de vocês. Mas, sejam figuras conhecidas ou anônimas, quando retratadas em um quadro/stencil/intervenção ganham o mesmo patamar de importância (minha opinião...). O que instiga vocês a criarem? A pensar: essa pessoa/cenário merece ser reproduzida e vista por outras pessoas?

Ananda - Procuramos escolher pessoas que façam parte de um contexto histórico, de uma situação específiica, de um momento que achamos que mereça se retratado não somente por sua graciocidade mas também por seu contexto na sociedade. É uma escolha que vai além das questões estéticas, entra também a questão social. Não escolhemos personagens por beleza estética unicamente, mas pelo impacto que seu posicionamento demostra aliado ao contexto em que foi retratado e que queremos enaltecer. 

** Para mim, os muros acabam formando uma galeria a céu aberto chegando a pessoas que não foram estimuladas a consumir arte. Vocês sentem isso no dia a dia de vocês? Conseguem vislumbrar uma nova geração de artistas capaz de viver do que produz?

Ananda - Mesmo que as pessoas achem que a rua é livre para expressão, tem que existir um compromisso do artista em ser responsável pelo o que pinta, pois o artista urbano é um ditador, ele impõe sua arte na rua para todos verem, como a indústria da propaganda na socieade. Não acho justo se o pintor, quando se propõe a interferir no espaço publico, faz uma pintura de qualquer jeito, com temas sem propósito e nenhum compromisso, pois o resultado daquela ação vai ser obrigatoriamente visto por muitas pessoas. Então o mínimo que pode ser feito é se esforçar para conseguir atingir o melhor resultado na pintura, em respeito a quem vai ter que ver aquilo todos os dias. Essa é uma forma de educar visualmente a população, criando uma ponte entre a arte e a sociedade, pois até então arte era algo elitista e reconhecida apenas em ambiente da galeria. A profissão de pintor, por conta do graffiti, está cada vez mais conhecida e respeitada, gerando oportunidades e ações e a possibilidade de se construir uma carreira sólida.

Para quem estiver no Rio de Janeiro, no dia 11 de Setembro eu e izolag vamos expor nossos trabalhos na Galeria Graphos Brasil S/A, na Rua Pacheco Leão 758, sobrado, Jardim Botânico. Vai ser nossa primeira exposição no Rio de Janeiro com telas e diversos suportes, vamos apresentar um carrinho de som vindo diretamente da Bahia e costumizado por nós, além de boxsets, telas dos mais diversos tamanhos, souvenirs e a galeria toda pintada. Esperamos que todos possam ir conferir!
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COMO ESTIVE PENSANDO EM VOCÊ, JAYME FYGURA, ENQUANTO EU FUMAVA PEDRA NA MANHÃ RAREFEITA
Por Jota Mombaça

Jayme Figura no bairro do Comércio, em Salvador/ Ba.

*ALERTA: A “sinfonia pirata” que se segue foi escrita a partir da coleção de vídeos disponíveis no youtube sobre Jayme Figura (pesq. Jayme Figura); do artigo “Jayme, a Fygura do artista performático”, do performer-pesquisador baiano Z Mário. Além disso, imiscuem-se ao “detonamento discursivo” fragmentos conceituais, do “Manifesto Ciborgue” de Donna Haraway; do “Testo Yonqui” de Beatriz Preciado; do “O que é o contemporâneo” de Giorgio Agamben; e da “Mitologia do Kaos” de Jorge Mautner - indevidamente citados ao longo do texto (ou não).*

À guisa de uma crítica de arte, parece-me, de antemão, infértil prosseguir com este texto. Antes mesmo de debruçar-me sobre o objeto, seria inevitável que eu me perguntasse sobre o que espera de mim uma revista de arte e debates, obstáculo este que, fatalmente, segurar-me-ia preso à solenidade dos começos. Deveria eu, então, pânico porém incauto, quase impensadamente, elaborar um perfil do artista e de sua obra, mencionando referências, meus pontos-de-vista inaugurais, todas as recorrências filosóficas que me estivessem disponíveis, citando as fontes e expondo, a todos quanto fosse possível, meu hd interno de ficções consagradas pelos ritos intelectuais vigentes. Acontece que eu, para este texto, imergi numa zona debordada e procurei ser atravessado por um fragmento semovente borrado no mapa – para o qual a crítica de arte (moderna) jamais esteve pronta.

Jayme Fygura, inventor de si mesmo, que descreve órbitas inabitadas e fala de terras onde ninguém. Podem atribuir-lhe 52 anos, um nome completo, e mesmo um rosto sob a armadura; os comerciantes das ruas por que passa, no Pelourinho sob o sol, podem desferir opiniões a respeito, os turistas podem monumentalizá-lo, a tevê pode apreendê-lo, este texto pode tentar espiá-lo, mas não há humanidade que o vislumbre. Não falo de um homem (que pode ou não ser considerado artista) e de sua obra (que pode ou não ser considerada arte), mas de uma fenda que expõe o universo inteiro à sua própria exterioridade; uma brecha por onde as linguagens e códigos, os sentidos e lógicas, as palavras e as coisas, escorrem e são liquidificadas.
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Penso que o conjunto da obra literária de Jorge Mautner não poderia, jamais, ter sido organizada de outra forma senão como uma Mitologia do Kaos. Uma mitologia de fragmentos de sabonete, de jovens lindos e bailarinos e nus (porque são lindos e bailarinos e nus todos os jovens) dançando (o sexo é uma dança e a dança é um sexo) na chuva brilhante, na gestação sem desfecho do kaos-existência. *Cumpre discernir, sem ser, no entanto, peremptório: aos desavisados: o kaos com k – que mais ou menos circunscreve uma zona para a filosofia produzida por Mautner – engendra, cria, desdobra-se. É inteiramente distinto, portanto, do caos com c, que catatoniza e de que somos produto, girassóis aleijados (como os de van gogh) nascidos de solo infértil e radioativo.* Minorizar uma mitologia – isto é, torná-la singular – é como reinstaurar uma prenhês, possibilitar erupções e emergências existenciais. Tendo Jayme quebrado os espelhos para que ele próprio não se visse, pôde ser outro, autoproduzir Fygura desde um novo nascimento.
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Engendrados desde o controle, somos, antes mesmo de nascermos, recortados por um gênero, uma raça, uma humanidade, e costurados a um corpo sobrecodificado por regimes semióticotécnicos - imagens nanoscópicas, egos tecnológicos, bombas hormonais. Assim é que a verdade do que somos é, antes, uma engenharia molecular que faz incidir sobre ciborgues uma parafernália de tecidos, órgãos, subjetivações, gatilhos biológicos, etc., como uma maquinaria de controle molecular e incorporal, que se espraia de dentro a fora na malha de emaranhamentos que compõe o mundo-humano-social.

A consciência para o fato de sermos ciborgues estala a consciência de podermo-nos tornar engenheiros de nós mesmos, conforme um desconstrucionismo punk. J.F. reelabora sua pele com alumínio e couro, instala suas próprias próteses, constrói, para si, um corpo que deserta a figura instituída, que deforma a forma do homem. E, nisso, relata um êxodo; desenha, na própria carne maquínica-orgânica, o testemunho de sua deserção.
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Jayme caminha à luz dos quinhentos sóis baianos. Ele diz que não sente calor, que pode conviver sem assombro com a quentura dos dias, e então caminha. É como se o jogo de superfície fosse desencaixado e todo o teatro social, diante do corpo-máquina visceral sem nenhum polietileno, sucumbisse em turbulência. É aí, nas zonas de performance, que a existência de J.F. ameaça mais o humano, porque ousa descambá-lo à luz do dia, desafiando toda a gramática existencial do homem ao expor, como uma ferida carnavalesca, sua gramática própria, solitária e autoral. Em seus trajetos, Fygura inscreve sua estranheza e recondiciona a paisagem; é como uma arquitetura imprevista soerguendo-se, deambulante e viva.
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De um sarcófago de madeira e barro, J.F. fez seu castelo de sombras, onde ousa viver sua ilusão-sonho-pesadelo. Sombrio, não abre mão dos escuros, dos espaços onde os holofotes não alcançam. Se cada tempo elabora para si um regime próprio de luzes (e vale-se dele para legar realidade), tatear as zonas escuras (com uma vela presa ao capacete) e iluminar fendas ocultadas (as realidades inauditas componentes do real) é o trabalho obstinado de um artista que esculpe fraturas no tempo.
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Jayme Fygura! Eu estou com você na fronteira, quando o vento sobra e a geografia aturde - dois estrangeiros, abissais um para o outro. Eu estou com você, estranho e solitário, sob a chuva-faísca, onde ninguém jamais esteve – desde as ruínas e vales. Não acompanho seus passos e nem você me segue. As cidades, polaroides arruinadas, torrente de aindanãos e nós, arautos da incompletude. Eu estou com você, Jayme Fygura, quando o silêncio ulula e os escuros são como claridades que cegam. Eu estou com você. Nômade, cigano, imigrado, deserto eu. Estou com você, Jayme Fygura, onde não há lugar.

EXCURSO: oficina de desmilitarização corporal, 1

cace sua própria voz abjeta! faça reluzir no céu total/as estrelas, rotundas, buracos negros! quando o mundo for um lugar legal, eu ainda estarei aqui, convulso. trapaceie os indícios, reconfigure! a contramão produz também uma gramática, contrarie-a! enfeite-se! dispa-se! repovoe a cidade subjetiva! recomponha a paisagem! não seja você mesmx! seja outrx! é preciso ouvir o que as crianças dizem! a criança é o único animal do mundo capaz de desarmar estes imperativos.

“Eu vivo aqui pensando como sobreviver,
Enquanto o mundo vai girando”

- Jayme Figura
*

Modinha Catarina

para nina rizzi

um bosque de pedra e de espinhos
no rubro raso cáustico da catarina
é a parte que me cabe no paraíso
que a brisa do brasil não beija nem balança
mas boceja sob um anil eternamente estio

que nenhuma nuvem pastoreia
e onde homem algum com algum juízo
ergue casa, cria bode, semeia

mas se tocou-me − e tocou-me de meia −

ao sócio crédito rural, a mim a areia

deste bosque esquecido de verde e de água

é minha, não dele, a maior riqueza:

os diamantes cintilando no céu da madrugada.



é então que da minha alma ressequida

esvaecem as trevas e toco na velha viola

esta modinha que celebra a minha vitória

Em sua caixa de comentários Fred explica: "[...] A referência do poema é ao "Raso da Catarina", que se situa na área mais seca da Bahia e tem esse nome em homenagem a uma antiga moradora e líder local de nome Catarina. Quem sabe um dia, em algum lugar deste sertão nordestino, surja um "raso da Nina Rizzi"? Pensando bem, melhor será que seja um lugar fértil e bem servido de água onde os assentados possam plantar e criar, além de tocar viola, mas que nunca abandonem a poesia."


A SABER O QUE QUERÍAMOS

1- A canção primeira que pensamos vinha com a voz levemente anasalada, manhosa de crioula dengosa, de Elza Soares, indo junto a de Miltinho, num encontro gracioso de cores e ritmo cadencioso; um convite delicioso composto pelo incrível Dorival Caymmi: Você já foi a Bahia?. Suas vozes, Elza e Miltinho, formam um canal para escoar duas químicas, duas almas - se é que as almas escoam -, caindo no samba... A canção está no segundo disco, de 1968, de Elza Soares e Miltinho; o primeiro LP se tornou tão popular que eles gravaram outros dois.

2- A intenção segunda era o documentário Caboclos da Liberdade, de Hermano Penna, que tem como tema a manifestação popular "caboclos guaranis", na Ilha de Itaparica, Recôncavo Baiano. Qualificados como "grupo de índios", os Guaranis comemoram os festejos de sete de janeiro, data em que se celebra a expulsão dos portugueses da ilha, trazendo para Itaparica tradições de outras localidades do recôncavo e as adaptando ao contexto ideológico dessa festa. 

3- Pensei, há pouco, como alternativa a canção que não encontro, em Salvador, interpretada pelo grupo vocal MPB4, que aliás está em seu primeiro compacto. Seria ainda uma forma de homenagem, já que este ano o grupo comemora 47 anos de atividades.

Então, fiquemos pois com Vem meu amor, cena de Ó Paí, Ó (Brasil, 2007), de Monique Gardenberg:


VEJA TAMBÉM:

- Keep Calm Bahia

- Rodrigo Campos, Bahia Fantástica;

- Elomar, A pátria véia do sertão;

- Novos Baianos, Um dentro do outro;

- Margareth Menezes e Tincoãs, Cordeiro de Nanã/ Deixa a Gira Girar/ Atabaque Chora;

- Maria Bethânia, Cantos das mães d'água;

- João Gilberto e Caetano Veloso, Acontece que eu sou baiano;

Viagem musical de Caetano Veloso, nos anos 1990, iniciando pela cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, o coração da mistura cultural do Brasil, culminando em sua cidade natal, Santo Amaro para o Festival de São João, cantando com sua mãe Dona Cano;

- Uma das mais belas canções brasileiras: História de Pescadores do outro orixá bahiano, Caymmi, O Dorival.

- E como toda edição é incompleta, deixe também sua bahianidade na caixa de comentários!
*

[A edição 21 da Revista Ellenismos presta homenagem aos 100 anos de nascimento do orixá baiano Jorge Amado]

2 comentários:

Unknown disse...

porreta demais, Nina, de encher os olhos de cheiros

cheiro

Unknown disse...

Nossa, NININHA!

Não contei o tempo. Fiquei aqui, e mesmo que tenha sido uma semana, foi pouco. A Bahia que amo está mais linda aqui. Tudus tem um novo sabor nessa brilhante revista que deveria ser "tombada" pela Arte literária.

Parabéns!

Beijos

Mirze