quinta-feira, 23 de junho de 2011

[Ano I, No. 03 - 2011] TERRORISMO POÉTICO

Tém coisa e cousa, e o ó da raposa. - J. Guimarães Rosa

Banksy (britânico, 1975-), Grafite/ outdoor. Siga com o curta Terrorismo Poético I, o filme,  de MaicknucleaR aka NuclearMike.

PREFÁCIO, O RETRATO DE DORIAN GRAY
Oscar Wilde

O artista é o criador de coisas belas.

Revelar a arte e ocultar o artista é o objetivo da arte.

O crítico é aquele que sabe traduzir de outra maneira ou com material diferente a sua impressão das coisas belas.

A mais alta, assim como a mais baixa, forma de crítica é uma autobiografia.

Aqueles que encontram feias significações nas coisas belas são corruptos sem serem encantadores. É um defeito. Aqueles que encontram belas significações nas coisas belas são cultos. Para esses há esperança.

São os eleitos aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza.

Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais.

A antipatia do século XIX pelo Realismo é a raiva de Caliban ao ver a sua cara no espelho.

A vida moral do homem faz parte do assunto do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito dum meio imperfeito.

Nenhum artista deseja provar o que quer que seja. Até as coisas verdadeiras se podem provar. Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo.

O artista nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo. O pensamento e a linguagem são para o artista instrumento de arte. O vício e a virtude são para o artista materiais de arte.

Sob o ponto de vista da forma, o tipo de todas as artes é a arte do músico.

Sob o ponto de vista do sentimento, o tipo é a profissão do ator.Toda a arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo.Aqueles que descem além da superfície fazem-no com risco seu. O mesmo sucede àqueles que leem o símbolo.

É o espectador, e não a vida, que a arte realmente reflete.

A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte mostra que a obra é nova, complexa e vital.

Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.

Pode-se perdoar a um homem o fazer uma coisa útil, enquanto ele a não admira. A única desculpa que merece quem faz uma coisa inútil é admirá-la intensamente. Toda a arte é absolutamente inútil. 
*

Chantefleurs, chantefables
Robert Desnos

Le capitaine Jonathan,
Etant âgé de dix-huit ans
Capture un jour, un pélican
Dans une île d'Extreme-Orient.
Le pélican de Jonathan
Au matin, pond un oeuf tout blanc
Et il en sort un pélican
Lui ressemblant étonnamment.
Et ce deuxieme pélican
Pond à son tour, un oeuf tout blanc
D'où sort, inévitablement,
Un autre qui en fait autant.
Cela peut durer très longtemps
Si lon ne fait pas d'omelette avant.
*

Flores cantam, Cantam fábulas
Tradução de Nina Rizzi

O capitão Jonathan
Aos dezoito anos,
Capturou um pelicano
Numa ilha do Extremo Oriente.
O pelicano de Jonathan,
Botou um ovo inteiramente branco pela manhã.
E desse ovo saiu um pelicano
espantosamente parecido com ele.
E esse segundo pelicano, por sua vez
Botou um ovo inteiramente branco
De onde saiu, inevitavelmente,
Um outro pelicano que fez o mesmo.
Isso pode persistir indefinidamente
Se antes não fizermos um omelete.
*

Banksy, Grafite/ outdoor

ENTREVISTA COM HAKIM BEY
High Times Magazine

High Times - Hakim, de onde você é?

Hakim Bey - Bem, a informação padrão (que é tudo o que falo) é que eu era um poeta da corte um principado sem nome do norte da Índia, que eu fui preso na Inglaterra por um atentado anarquista a bomba e que eu vivo em Pine Barrens, Nova Jersey, em um trailer da Airstream ( tradicional marca americana de trailers). Quando venho a Nova York fico num hotel em Chinatown.

High Times - O que é Zona Autônoma Temporária?

HB - A Zona Autônoma Temporária é uma idéia que algumas pessoas acham que eu criei, mas eu não acho que tenha criado ela. Eu só acho que eu pus um nome esperto em algo que já estava acontecendo: a inevitável tendência dos indivíduos de se juntarem em grupos para buscarem a liberdade. E não terem que esperar por ela até que chegue algum futuro utópico abastrato e pós-revolucionário. A questão é: como os indivíduos maximizam a liberdade sob as situações nos dias de hoje, no mundo real? Eu não estou perguntando como nós gostaríamos que o mundo fosse, nem naquilo em que nós estamos querendo transformar o mundo, mas o que podemos fazer aqui e agora. Quando falamos sobre uma Zona Autônoma Temporária, estamos falando em como um grupo, uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizadas, pode maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedadade atual. Organização para a maximização de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas. Existem pontos na vida de todos que as hierarquias opressivas invadem numa regularidade quase diária: você pode falar sobre educação compulsória, ou trabalho. Você é forçado a ganhar a vida, e o trabalho por si só é organizado como uma hierarquia opressiva. Então a maioria das pessoas, todos os dias, tem que tolerar a hierarquia opressiva do trabalho alienado. Por essa razão, criar uma Zona Autônoma Temporária significa fazer algo real sobre essas hierarquias reais e opressivas - não somente declarar antipatia teórica a essas instituições. Você vê a diferença que eu coloco aqui? No aumento da popularidade do livro, muitas pessoas se confundiram com esse termo e usaram ele como um rótulo para todo o tipo de coisa que ele realmente não é. Isso é inevitável, uma vez que o próprio vírus da frase está solto na rede (para usar metáforas de computadores). Se as pessoas usam erroneamente ele ou não isso não é tão importante, porque o significado está inscrustado no termo. É como um vírus verbal. Ele diz o que significa.

HT - Você pode explicar o terrorismo poético?

HB - Por terorismo poético eu entendo ações não-violentas em larga escala que podem ter um impacto psicológico comparável ao poder de um ato terrorista - com a diferença que o ato é uma mudança de consciência. Digamos que você tem um grupo de atores de rua. Se você chamar o que você esta fazendo de "performance de ruas", você já criou uma divisão entre o artista e a audiência, e você alineou de si mesmo qualquer qualquer possibilidade de colidir diretamente nas vidas diárias da audiência. Mas se você pregar uma peça, criar um incidente, criar uma situação, pode ser possível persuadir as pessoas a participar e a maximizar sua liberdade. É uma estranha mistura de ação clandestina e mantira ( que é a essência da arte) com uma técnica de penetração psicológica de aumento de liberdade, tanto no nível individual quanto social.
*

Banksy, Grafite/ outdoor.

Terrorismo Poético (TP)
Hakim Bey, Caos

Dançar de forma bizarra durante a noite inteira nos caixas eletrônicos dos bancos. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas em vez de roubar, deixe objetos Poético-Terroristas. Seqüestre alguém e o faça feliz.

Escolha alguém ao acaso e o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna – digamos, 5 mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário e talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.

Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível, etc.

Fique nu para simbolizar algo.

Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem sua necessidade de indolência e beleza espiritual.

A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões de metrô e sóbrios monumentos públicos – a arte-TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio piratas, cimento fresco...

A reação do público ou o choque estético produzido pelo TP tem de ser uma emoção pelo menos tão forte quanto o terror – profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta – não importa se o TP é dirigido a apenas uma ou várias pessoas, se é “assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Para que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas da guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez já tenham se tornado conhecidas e previsíveis demais.

Uma primorosa sedução praticada não apenas em busca da satisfação mútua, mas também como um ato consciente de uma vida deliberadamente bela – talvez isso seja o TP em seu mais alto grau. Os Terroristas-Poéticos comportam-se como um trapaceiro totalmente confiante cujo objetivo não é dinheiro, mas 

TRANSFORMAÇÃO.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para aquelas pessoas que não perceberão (pelo menos não imediatamente) que aquilo que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite politicagem, não argumente, não seja sentimental. Seja brutal, assuma riscos, vandalize apenas o que deve ser destruído, faça algo de que as crianças se lembrarão por toda a vida – mas não seja espontâneo a menos que a musa do TP tenha se apossado de você.

Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.
*

apóstata
Roberta Silva, Ragi Moana

houve o tempo de fé
menos de trinta e três anos
foram necessários
para que eu abjurasse

foi em teu nome
que queimei tua noiva

louvarei outros deuses 
até que minha fé te reconheça
*

ESTAMPAS PARA PIJAMA 
Carla Diacov, Ovos

- I
Saiu do ovo de madrugada e colocou-se a andar, devagarinho, piando baladas de solidão, até as docas onde, pinto justamente justo, iniciou-se na pratica de amanhecer-se às claras, longe do leito em cococós, tendo-se por pelicano, fazendo-se ancião, pescador, pescador e amanhecendo-se pescador, cachimbo e barba e prostitutas em flor, com voz de monstro, PROSTITUTAS EM FLOR. Acontece.

- II
Do papel no teu colo, aquele instante e o que pensar da cadeira sob tuas ancas, tuas ancas zelosas, tua saia feia e de olhar que já vai amanhecer, veja que há uma mariposa insistente da lâmpada, já vai lhe ardendo asa e mais asa e continua a mariposar-se da luz, o bicho quer o condutor, procurando o cobre daquele imenso instante, esse que então se faz PequenoAgora, cego instante em ter o que rezar além da cadeira sob tuas ancas, tua saia feia, zelo de mariposa, o bicho foi meu condutor.

- III
Num bosque, tua ventania cruza o caminho das folhas caídas. Protejo meus olhos com tantas mãos que preciso dos pés. Acosto-me numa árvore de tantos galhos que logo-logo vou precisar dos ninhos. Precisando, penso calmamente no contorno da tua boca e um pássaro atende-me ao surto pousando dum ninho de fatos no meu joelho esquerdo.
Junto-os, fatos, pássaro, ninho e joelhos, tantos que logo-logo preciso tanto da torta de maçãs que já vem vindo em pronta cesta nas tuas mãos, tantas que pernas e dorso lindo, cruzando folhas, ventania tanta que pássaro e ninho de bocas e piquenique de joelhos, aos teus pés, toda torta, de mãos e de maçãs.
*

Banksy, grafite/ outdoor. Siga com Terrorismo Poético II: A Política do Arregaçode MaicknucleaR aka NuclearMike.

notas capitais, ix
nina rizzi

aquela moça à cavalo, o biquíni anos 50 vermelho-iansã me prendia a atenção. o sol brilhava nas areias da tela, sua dourada bunda.

e eu tremendo de frio. de tênis recém ganhados e tudo mais. me sentia uma impostora. o que eu fazia ali sentada em atitude tibetana com esse macaco ridículo pendurado na branca bolsa emprestada? uma bolsa velásquez.

o voo atrasou em suas horas e tinha escalas que desconhecia. natal deve ser uma linda cidade, pensava querendo quebrar a janelinha ao meu lado. os verdes olhos do negro comissário cravados em meu decote me dissuadiram.

quase uma hora pra encher aquelas turbinas e tornar os assentos mais apresentáveis aos ricaços da classe econômica. nesse tempo todo eu também poderia encher as turbinas, mas só serviam aquela merda preta gaseificada. e água. eu bebi uns dez copos de água. me divertia com a luzinha que irritava a aero-asiática. ela é que era um belo fast-food, e nos ares. uh. e tanta água eu tinha que segurar o mijo com o cinto me apertando a bexiga.

é muita sorte ganhar uma passagem.

a gostosa que devia me esperar no saguão não estava lá. duas horas é o suficiente pra fazer uma mulher desistir de você. se for feia, talvez duas semanas.

toneladas de lixo humano depositados na minha porta. sem as chaves, arrombei a janela e rolei pro sofá achado na esquina. meu gato desaparecido.

20.000. vinte mil baratas mortas cobriam o chão dos três incômodos cômodos da nada engraçada casa.

correspondências amareladas. contas de água e luz que não consumi. mais de 600 reais de voz telefônica que me lembra haver poesia, que, turbilhonada ouvi-falei. livro : "pra você que é a professora mais maluquinha". sorrisinho.

tentei acender as luzes em vão. e no breu caminhei no minado campo de baratas tentando achar uma vassoura. quatro sacolas plásticas não-recicláveis cheias das asquerosas.

quem suporta tantas misérias sem se afogar?
me afundei no mar. 30 segundos no barquinho. franciscanas sandálias roubadas e sete cervejas chafurdadas. meus pés afogados nas furiosas ostras:

"MOÇA NUM ATAQUE DE NIILISMO AO DESCOBRIR QUE NÃO É A VÊNUS PUDICA ENFIA O PÉ NAS OSTRAS DO RIO COCÓ, DESAGUANDO NO ATLÂNTICO."

a linda garçonete-janete veio com água boricada que espumava nos infinitos oito buracos dos meus pés. "álcool é bom". virei o copo da cachaça branca pra suportar a coisa remosa.

500 mulheres seminuas olhando meu biquíni, meus panos. 500 homens vendo através. "era pra jogar no ferimento, mocinha".

me arrastei até o barco dos 30 segundos. e eu devia ter fumado aquele cigarro. mas não, eu tinha que pegar o caça e pesca. tinha que entrar naquele maldito ônibus. perder minha bolsa, telefone, agenda, documentos, roupas, anotações e brinquedos.
eu me assento, me ajuízo e, veja, que bebedeira.

eu contei pra ela. quinze dias antes o filosofador me carregou pelos braços até o quarto, fez umas ligações em ângulos retos com meus números, horas-datas e os astros e solfejou: NOSSA! mas você não tem sorte!... tudo bem, com riso sem gracinha, você tem encanto. eu contei tudo pra ela que consente, misérias me reincidem por todo canto .

mas você tem sorte. vai ter que se segurar por dez dias sem beber, sendo que, em cinco, não vai precisar trabalhar.

beibe-beibe, eu não estou a tocar beatles na gaita! mais uma semana sem os meus queridos espíritos rebeldes. de molho sem a praia. uma noite insône com pés inchados e latejantes. e como se faltassem dedos-língua, sem libertinagem.

eu não tenho harmônica afinada em dó. tudo bem, eu estou lombrada e isso é muita sorte.
*

4 comentários:

Unknown disse...

Que sorte a minha passar aqui hoje!

Nininha! Mudei-me há pouco e claro que com o estresse da mudança, minha saúde piorou. Daí a demora em passar neste lugar onde a arte está em quarta dimensão.

Amei a entrevista com Hakim, Ver a Carlinha aqui, tão pertinho do meu Guimarães Rosa (GÊNIO DOS GÊNIOS) e aprender sobre o TP.

Ri muito com suas "NOTAS CAPITAIS".

Fiquei-te imaginando com essas estripulias.


Beijos

Mirze

TRUK disse...

necessário tempo para digerir

voltarei. Beijo

André hp disse...

Esperava um dia que você publicasse o Bey, veio quase que um especial.

Traduzo textos deste coindivíduo aqui www.anarcofagia.com

Abraço, querida!

Mariana disse...

Sinto saudades kkkk